sábado, abril 30, 2005

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Vómito a Fel

Eis a saudável confissão,
A loucura do homem são
Que não cabe em si próprio,
Se olha ao espelho atónito
E se anula num colchão.
Eis um motivo para escrever: solidão;
A loucura de um homem por uma mulher;
A prisão do corpo e das palavras;
A encruzilhada de se ser, sentir e fazer,
E o muro impenetrável de estar além do que se aparenta,
Do que se diz ou escreve,
Num autismo mudo em que nem o próprio se percebe;
Quase silêncio ligeiro mas agudo
E um sabor azedo que se regurgita,
Volta à boca e se bebe.
Como um sapo se engole;
Um sopro sólido se verte.
E toda a escrita sai a ferros
De um homem que se mutila
Por nunca se alcançar.
A essência de uma frase nem ele a conhece,
E no entanto,
Entre a dor do seu parto se pare;
Entre quatro paredes de um quarto
Ele escava as suas entranhas
E mais procura sem encontrar.
Fosse a forma conteúdo;
A mentira, verdade.
Soubesse eu quem tu és.
Pudesse eu deitar a teus pés a tua felicidade.
Estou a morrer de saudade.
A morrer de não ser no teu peito eternidade;
De não ter a cabeça poisada junto aos teus seios,
Inspirando o teu cheiro, sentindo o teu toque.
Derramava-me o calor dos nossos corpos, cheios, plenos,
Toda a vida e pequenas mortes.

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sexta-feira, abril 29, 2005

Posted by Hello

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Confesso que nasci

E já não interessa se te traí ou tu a mim;
Se tudo o que principia tiver de ter um fim;
Se o mundo se desmorona quando me deito e paro,
Porque não estás por perto me sinto um farrapo,
Porque não me trazes no peito, farto,
E então, quando me deito, resto nada, feito trapo.
Tudo se tivesse passado numa hora
E fosse esse tempo o que passa agora!,
Se é que nasci, vivi ou morri
Em todas as pequenas mortes dentro de ti.

(Ontem, no carro, João XXI)

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quinta-feira, abril 28, 2005

"As piores obras são sempre as que são feitas com as melhores intenções" (O. Wilde)

Dois pavios; o mesmo círio Posted by Hello

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Curiosidade

Porquê "Caderno de Corda"?
R: Em idade pré-escolar resolvia exercícios de matemática e português, cuidadosamente elaborados pela minha avó paterna em folhas A5, presas por cordéis... os “Cadernos de Corda”. A ela dedico, em especial, tudo o que de bom faço. Maria do Rosário. Está sempre comigo.
Aproveito ainda para fazer uma sugestão: Se o estimado leitor tiver oportunidade, faça uma visita ao blog flash4ward.blogspot.com, de um jornalista e prodigioso fotógrafo amigo. Ah!, e também Valente.

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terça-feira, abril 26, 2005

NOTA EXPLICATIVA 1 - Lohengrin, Livro Primeiro

Lohengrin:
27 poemas escritos ao longo de dois meses num período particular problemático mas simultaneamente libertador; um renascer traduzido em ponto de viragem.
A música é uma influência se não estilística, criativa. No entanto, nenhum destes textos foi escrito com a intenção de ser musicado. Facto: Em muitos momentos a música acompanhou a escrita. Por vezes deu-lhe pistas, incitou palavras, sons silentes... outras, foi o seu pano de fundo, não menos que uma noite estrelada e profunda, também.
Não pretendendo restringir ou moderar a multiplicidade interpretativa, Lohengrin decorre, inevitavelmente(?!), de uma história de amor, estando vincadas no 3.º poema as características de um primeiro encontro que, coloquemo-lo apenas de forma hipotética, poria fim a um longo relacionamento amoroso anterior. O último poema espelha a desilusão decursiva e assume, em si, a responsabilidade de “fechar o livro”. Sem temática una, Lohengrin reporta-se a uma fase fulcral concreta, complexa e decisiva da vida de Davi Reis.

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Sound Of Silence (Paul Simon)

Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.

In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
'Neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence.

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more.
People talking without speaking,
People hearing without listening,
People writing songs that voices never share
And no one dare
Disturb the sound of silence.

"Fools" said I, "You do not know
Silence like a cancer grows.
Hear my words that I might teach you,
Take my arms that I might reach you."
But my words like silent raindrops fell,
And echoed
In the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made.
And the sign flashed out its warning,
In the words that it was forming.
And the sign said, "The words of the prophets are written on the subway walls
And tenement halls."
And whisper'd in the sounds of silence.


- Paul Simon - "Wednesday Morning 3 A.M.", 1964

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LOHENGRIN - Fecho do Livro Primeiro

27

(Dou por finda a nova escrita.
Deixo-te a mexer nos teus cabelos.
Estou na terra batida a dilatar ao sol.
Sou a mola que te prendeu o cabelo
entre duas pedras e muita poeira.)

Só me faço em passatempo,
invertendo o que é constante,
como um perpétuo movimento,
do guitarrista, a mão cantante.
Daqui já nada se espreme,
mas do sumo a casca fica;
o retorno à terra não teme,
e morrendo, morre renascida.
Sou um segredo de alquimia,
entregue curioso do acaso;
provocarei efervescência,
se me deres o teu abraço.
Salvé tempo, passa vivo,
corre estreito, a direito;
labirinto, sou passivo,
empurrado sempre a eito.
Salvé tempo, salvé estrada,
corro lenta a caminhada,
depois de o prazer ter deixado,
em troca, perfeição transfigurada.
Breve, sem retorno, um passado;
no mar, uma jangada.
A mensagem, esta, na garrafa atirada.
Conclusão de um naufrágio,
descoberta a maresia,
enjoo de saber não ser marinheiro;
não concluída profecia.
Sou o restante, sou o náufrago,
sou o cão atropelado;
sou o contra e o análogo,
sou um príncipe desfigurado,
outrora belo e encantado.
Nobreza humilhada,
vestido de noiva espezinhado;
arroz de pólvora em forma de aura;
um pobre homem, rico outrora.
Sou o ícone do desuso,
a espada embainhada,
um museu e eu recluso
na partida e na chegada.
Sou o excesso aproveitado,
resto da mesa borda fora;
prato, migalha, cozinhado,
refeição fora de hora.
Sou apenas o caroço,
e mesmo isso mais não seja.
Trago-te presa, espinha ao pescoço,
de já ter sido a cereja.

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segunda-feira, abril 25, 2005

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O Canto Celestial do Cisne

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26

Tenho as orelhas escaldantes!,
fluídos internos frios e escarlates.
Traquinices de criança impura,
criancices de púbere obscura.
Tenho tranças escondidas nas mangas;
colarinho apertado para estas danças;
sapatos escolhidos a dedo,
e a planta do pé até da sola tem medo.

Falem de mim!
Bem ou mal, importa que falem mesmo assim.

Tenho as pernas dormentes,
pigarreio agora como um final de emissão.
Mosquitos, insectos, todas as criaturas dementes
e que, como nós, apenas são como são.
Tenho um copo vazio
e tu um corpo são farto de vácuo.
Tenho as orelhas escaldantes,
final de emissão, as pernas dormentes.

Falem de mim!
Bem ou mal, importa que falem mesmo assim.

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sábado, abril 23, 2005

25

Quero pensar não soprar em esquecimento,
não esquecer com a pena do tempo,
escrever eternos romances em preia-mar,
trazer a minha lavra com dentes de rasgar.
Escrevia-te um poema mágico,
algo próprio do imaginário...
Olhavas-me com o teu olhar por vezes estrábico,
e o teu peito como um berçário.
Fome, terrível fome, dolorosa mágoa...
sacio-me com amor de pão e água.
Faço-me inesquecido presente,
ao esticar-me a mão na beira do precipício,
e no momento em que uma mão a outra sente,
dão-se as duas ao sacrifício.
Mais que minha irmã de sangue, querido incesto,
maçã que escolho e lavo ao tirar do cesto.
Minha aprendiz transfigurada, senhora da sua vontade,
foi minha a tua morada, teu corpo minha cidade.

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sexta-feira, abril 22, 2005

24

Ela chora se necessário uma noite inteira.
Está cansada e cansada desta vida,
como do livro empoeirado que há meses se cansa na cabeceira,
e a raiva, que se molha numa lágrima contida.
De manhã, contorce o rosto.
Diz a si mesma que a noite acabou.
Diz que quem se dá não tem de o fazer com gosto
e nunca pede desculpa a quem por a amar a culpou.
Disse-me outro dia com o olhar
o que a boca não dizia,
e quase sem querer me disse
tudo o que havia para dizer.

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23 - A. de C. -

Pego na batuta...
Comando o código das palavras para me sacramentar novamente.
Uma confissão hedionda...
Um banco, o coreto, um polícia distraído ao telemóvel, um casal de... italianos? Portugueses?
As vozes do outro lado do jardim, e o vagabundo de t-shirt vermelha, perdido na vida, na droga. A droga, a droga!
Estou vazio; suspiro de brando, solúvel vazio.
Coisa nascida, triste entre nada.
Um pássaro na mão, dois a voar!
Entre dois extremos é onde me vão encontrar.
Ninguém me pode suster, ninguém me pode ajudar!
Sinto a feição declinada, minha reflexão turva.
Estou frio como um vão de escada;
Sou expressão vaga; resvalava nas tuas curvas
e agora tenteio nada.
Estou preparado para nascer ou morrer.
Este estado não existe, e para onde for agora,
irei como pela primeira vez.
E o melhor será deixar-me morrer, ir,
nascer como nas primeiras vezes.
As palavras, deixo-as como papelinhos de rebuçados pelo caminho...
mas hei-de ser sempre eu a lá chegar pela primeira vez,
e só; desterrado e sozinho.
É por isso que deixo os papelinhos, os indícios,
para que toda a tristeza seja vencida e aprisionada nestas palavras.
E Eternamente! Em todas as primeiras vezes, em todos os princípios!
Agora, estou de novo triste pela primeira vez.

(Cp. Sant'Ana)

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quinta-feira, abril 21, 2005

22

Estou só. Se tu não me beijares,
digo que me beijam os ventos.
Tão só, que se fosse órfão,
diria da minha mãe uma cegonha.
Tão triste e pensativo, tão obsoleto,
que faço ocupação dos meus pensamentos.
Tão pequeno, transfiguro,
sublimo aquilo que é vergonha.
Tão modesto que não me atrevo
a dizer-te como te amo.
Tão sincero que não me estrago
com lamúrias.
Tão destemido que prefiro assumir-me
como o insano – espero,
não deixe, por fim,
minh’alma na penúria.
Estou só, no meio da multidão.

(Domingo, Torel e gaitas-de-foles)

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quarta-feira, abril 20, 2005

21

Que acontece àquele perdido em si próprio, despedindo-se, salvando a face do mundo, do universo, de todo o todo da lua, negra e branca, demente e incólume? Será Tudo ocidental; Nada oriental. Poesia e altos-relevos silentes porém nos libertam do Tempo e do Espaço... a imortalidade sem taxas nem suspensões percentuais. Pois sejamos os próximos animais! Que não se veja luz nem se saiba porquê de tanto perguntar.
Venho numa dança desconcertada e lanço uma lata de tinta, esborratada. A tinta artista e o artista, pintor, o inconsequente mensageiro da cor. Ultrapassar! Venerável ingente montanha porque não da tua dimensão; que dimensão não pensa a montanha, nem o homem que a escalou, em tributo de incompreensão. Exultar! Mais pleno e verdadeiro, real exultar pelo nascer de uma certeza, novo dia! Da criação o amor transborda, dias a fio, na incessante transcrição da vida possível, amiúde longínqua daquela imaginada.
Abotoo-me à volta da gravata que me serve de cinto, ou me prende o cabelo. É esta noite, aqui, que tudo acontece. E sem vociferar doutrina ou exortação, é agora! Agora! Que a todo o vapor o comboio galga, confiante... os progressos técnicos... e uma sangrenta noite algures e nenhures. Uma fotografia do arco-íris. Detiveste-o nas mãos! Falaste do contraste e não sabias que cores vêem os cães. Falaste da vida e colocaste-te acima das estrelas apenas para viajar numa circunferência que te traria de volta, boomerang! Lágrima, que mistério. Amor, que sacrilégio - pois a todos como a um só.

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terça-feira, abril 19, 2005

HABEMUS PAPAM

20

Todos os meus sonhos são realizáveis.
Tudo o que existir no meu pensamento tem forma.
Criaturas dos infernos em filmes de terror,
insectos gigantescos, um homem se transforma.
Sombras pitorescas dobraram uma esquina;
crianças que bebem em biberões felaciados.
Bibes deixados abaixo das omoplatas,
e tudo se encontra nos perdidos e achados.
Ácaros, que similares a debulhadoras;
víboras, criadoras de gatos...
Seja eu um cão de pastoras;
para as víboras, chegam os ratos.
Violetas, de onde vieram as auroras polares;
pupilas, os espectros e o infinito, os raios solares...
Crateras da minha pele;
microscópio macroscópico, telescópio!
Dentro/fora e nenhum se repele.
Salvas ao guarda nocturno fumador de ópio!
Salvas e salmos berrados
porque só há um tempo de se ouvir a sua voz...
e quando ele passa, cumprimenta-se docemente,
como se se tratasse do nosso avô.

(Comboio e Campo de Sant’Ana. Noite de azar de Marinheiro – peripécia com gasóleo e uma mangueira de chuveiro.)

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segunda-feira, abril 18, 2005

19

As cartas que me envias, cheias de gelo e ricochetes, pavoneadas, plenas desse folclore mascarado como uma tal vendedora de flores... Precisas de tudo o que eu tenho e assim procuras as árvores, os lagos, os patos, a relva, os pavões, e colocas-te em sítios altos de onde podes ver mais longe a tua cidade que, afinal, é de ninguém. Nem eido tens. De onde vens? De quem foram os teus anéis? Por quem pensas? O que és tu? Talvez sejas dois braços que te levam, paraplégico. Talvez sejas um pirata que apenas luta quando armado, ou um assaltante que opera em grupo, alguém que chora diante das câmaras e que, alheado, faz um esforço por se mostrar atento. Talvez te sentes por comodidade e esqueças a universalidade do pensamento; te deites por estares cansado e te uses, alheio, do sofrimento; te faças desamparado pela dupla personalidade do teu lamento. Tu és uma vergonha aos meus olhos e eu não te devo respeitos. Apareço-te porque me amo e me sinto maior ao pé de ti. Eu árvore, tu ramo, que um dia irá cair.
(P/ o próprio)

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domingo, abril 17, 2005

18

São estas raízes implodidas e aquelas verdejantes...
Sento-me na relva... onde permaneço.
Que estado natural este, se mereço,
simbiose para que pereço.
Linda! Tu és linda!
Mais do que esta árvore que o sol entorpece,
confinada a selva que nunca esmorece.
Jardim lívido, plúmbeo e macilento
de verde e cinzento,
azul e preto.
E eu aqui deitado.
E a ausência do lamento,
e o amante do obsoleto.
E aquele que ainda agora sorriu
por ter sido encontrado.
Aquele que se indignou de ansiedade
e se perdeu um pouco por todo o lado.
Aquele que te vê nervosa
e que te beijava o pescoço.
Do teu lado direito, numa constelação,
uma estrela funda como um fosso!
São estas raízes, loucura total que não aparenta,
que da dor inventa, do amor se sustenta.
São estas palavras, como setas flamejantes
de um cupido que deixa afinal sós os amantes.
Linda, tu és linda!
Mais do que este sol que me aquece,
flume frio em mim corre e me arrefece.
São estas raízes que acendem um sol quando tu apareces
e que apodrecem quando anoiteces.
É o meu canto de cisne.

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sábado, abril 16, 2005

No Vale dos Caídos

17

Pagas a tua promessa de joelhos
e eu, em ombros, observo-me: o cortejo!
Quando lá chegares, calças-te e esqueces-te
das feridas que já sararam.
Eu, nos meus próprios ombros, latejo.
Semimorto, semideus.
Carrego-me no cortejo.

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sexta-feira, abril 15, 2005

"Je est un autre" (A. Rimbaud)

16

Sou o personagem viciante dum filme,
sou aquele que morre na praia.
Por isso sacode-me, empurra-me,
esfaqueia-me e contorce-a,
à faca de lâmina dupla
que tão bem manejas.
Empurra-me distraidamente do precipício
só para me ver bambolear,
e a seguir,
pendura-me no meio da sala de estar,
para treinares o soco no meu vazio pesar.
Descasca-me a leste com um machado
e verás surgir imagens de deuses.
Afasta-me com um franzir de desprezo
e cospe-me em cima mais 489 vezes.
Ata-me ao poleiro dos ratos
e não me dês comida,
nem penses nisso,
que fico sem dedos.
Morro, definho mesmo assim,
se não me vieres visitar...
Ah! Queria berrar!
Tenho uma corrente fria cá por dentro
e nem sei que mal entendido
provoca tão doído sofrimento, este nó em que me prendo
e que se quer volatilizar em nenhum sentido!
Matem-me!, quem me quer matar?
Venham, o primeiro será o último!
Ah! O primeiro será o único!
Matem-me! Devolvam-me.
Tu particularmente!
Faz-me ter de nascer de novo.
Força! Soca-me com mais força ainda,
suja-te do meu sangue e aproveita-te de mim,
outra vez... gatinho aos teus pés.
Mas tu sabes que tenho poderes de leão
e que a minha boca é uma gruta
onde te aninhas e acendes uma vela.
Mas diverte-te enquanto me matas,
acaso isso te dê prazer.
(se levanto a pata rasgo-te sem querer)

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quinta-feira, abril 14, 2005

15

São agora as cordas de aço que me encorajam,
mesmo que esta noite o grilo não tenha cantado em meu clamor.
Mesmo que a romaria te tivesse levado,
feliz pelo aroma da fogueira;
cítaras sedutoras e lábios quentes mas húmidos.
As peles tocadas sensualmente pelo sol,
que se amam a si mesmas.
Todas as ocasiões são propícias,
mas não faz mal nenhum,
sejam vossas todas as delícias
que satisfazem o desejo comum.
São agora os soldados colombianos que novamente me divertem
enquanto cultivam um dos seus variados chás medicinais,
de traseiros a brotar das calças e bigodeiras espaventosas,
génios cinzelados nas faces curtidas pelo sol.
Abençoados sejam os soldados colombianos,
que se dedicam aos assuntos da sua índole,
que lutam pela fertilidade
e figuram um ponto microscópico.
Alguém sabe se por lá haverá uma cidade?
Com soldados colombianos nesse mundo neste entupido?
É a música!, que agora estou a anos-luz.
Decifrei os enigmas sem querer
e quero gastar tudo! Tudo!
E acredita que não é justo, como o essencial faz sentido,
mas o transeunte, inocente, morreu mesmo...
A gazela, da mesma fagulha por que vivemos,
também morreu prematuramente nas presas de uma leoa...
agora.
Mas quando quiseres, estás convidada
a vir rodopiar comigo
como nunca o fizeste.
Dançar debaixo d’água
num tanque onírico intenso e louco,
porque tudo está bem
à hora de nadar um pouco.

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quarta-feira, abril 13, 2005

14

Não nos devemos perguntar.
Simplificar e subir a outro patamar!
Não nos devemos preocupar
senão com a criança que já foi no tempo, outro lugar.
Nem devia escrever.
E o que interessa ser de azul,
rosa, ou não ser...
Nem o inteligente que o escritor quer parecer,
esquecendo-se eternamente
que as palavras não fazem sentido à vida.
Ainda que apenas no instante em que ele escreve,
se lembre de no papel encontrar guarida.
Melopeias recitadas, melodias silábicas,
para se poderem eternizar num negativo
as eternidades e as harmonias cósmicas
que deslizam sobre o transeunte, seu nativo.
Tudo é dentro e fora mas, eventualmente,
ao mesmo tempo.
E como tu sabes que um segundo de música não faz sentido!
(e ouves num segundo o mesmo que o cair de um cinzeiro, agora partido)
Se desmantela para voltar a nascer,
e nasce na música uma melodia de cinzeiros partidos
atrás uns dos outros,
talheres sujos, portas que se abrem, buzinas, rugidos,
tudo a seu tempo, tudo no seu compasso,
observado de perto pela clave do astro.
E o escritor, sem coragem, pergunta agora:
”Mas afinal, para onde vamos?”

(binaural)

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terça-feira, abril 12, 2005

13 - Mar dos Segredos

Naufragada, o tempo espera,
esta velha barcaça, despida, inglória.
O ter nessa tábua
o segredo da vida ou da eterna memória...
E o maior dos segredos não está na profundidade,
que foi na foz, onde o mar começa,
que me pus a pensar.

(Porto, Foz)

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12

As minhas asas espraiaram-se num pousar nos ventos
enquanto os soldados bolivianos se entretinham ao sol,
brincando, pelas couves de sésamo, como crianças distraídas.
Puxavam guitas com apenas um dedo, indicando o poder de Deus.
Os soldados bolivianos, abençoados sejam
porque existem nas minhas entranhas.
No meu sangue fluem os soldados bolivianos,
à minha pele efluem os soldados bolivianos.
Do fumo, as suas imagens se desvelam.
Como amigos, atenuam o nosso lado bicho.
E fazem-no com humildade...
Benditos sejam os aparecidos soldados bolivianos.

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“I’m so much human and so much less divine” (L.Reed)

segunda-feira, abril 11, 2005

11 - Ode ao som tubular e seu pai

O artista tinha uma pena verde no chapéu;
nas fitas vermelhas com que tapava
o número na sua fronte.
Estava preso.
Ele era a sua lei e prenderam-no com um garrote.
Da sua pele nasceu a terra fogosa,
a sua voz, as cordas da guitarra, entrelaçadas
com aquele corpo escultural...
Pequenas mortes por vezes alcançadas...
Ele era o pai de um som tubular
que gemia em lágrimas e suor
ou que combatia a maré enfurecida.
Ele viajava sempre num barco especial,
preparado para as marés de éter.
E apenas continuava...

p/Jimi

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sábado, abril 09, 2005

10

Os meus braços abraçam e o meu coração parece pulsar dentro de ti,
que me deslumbro nos teus movimentos.
Silêncios ofegantes e sinceros de amor, puros,
como a vela alumia a poesia num quente desabrochar de vida.
Beijo-te vezes sem conta sem princípio, meio nem fim.
Fazemos fluir as nossas vergonhas com gosto de aprender no oceano a nadar.
Espalhamos as chaves da tua arca rosácea... teu ventre irrequieto laranja hipnótico
e massajo-te com o meu peso morto, exausto e expirante,
enrugando-te como casca protectora.
Sem dor, libertação de suspiros intemporais por não terem lembrança do cansaço.
Façamos novamente uma verdade luzidia, partilhada na convergência das nossas pupilas, reflectida pela vivacidade do fogo.
Para todo o sempre.

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terça-feira, abril 05, 2005