segunda-feira, agosto 22, 2005

Estórias 2

Por debaixo da inexpressividade do seu rosto, Benvinda felicitava pela última vez a paisagem, despertados que estavam seus sentidos últimos e finos. Sorvendo a ilha de Manuel pela estreiteza dos lábios e ouvidos, pelas protuberâncias infinitesimais dos poros, a cabeça inclinada para trás demonstrava a atenção com que contemplava as propriedades de uma realidade apenas para si evidente, para Manuel oculta e paradoxalmente familiar. Benvinda abraçou-se violentamente ao marido, escorrendo lágrimas de incondicionalismo afogueado, amor cego na partida. Manuel realizara-se mais uma vez em Benvinda. Ambos se haviam plantado um no outro; raízes profundas e enlaçadas. Novamente, o marido deixou-a absorver a maresia, o troar das ondas do mar, a benção finita do sol da última tarde atlântica. Apesar do adiantar da hora, Benvinda deteve-se apenas por um instante, antes de entrar apressadamente no carro, rumo ao aeroporto, parecendo antes pairar junto ao som libertário das gaivotas, que lhe ficou gravado no imo do coração. Benvinda trazia consigo uma imagem nítida da ilha e, em essência, não tirara uma fotografia sequer, coisa obsoleta para uma mulher cega.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Nice colors. Keep up the good work. thnx!
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sábado, julho 22, 2006 6:28:00 da tarde  

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