quinta-feira, outubro 13, 2005

Estórias 6 - Pirex, o Destruidor

Royko, a malga, havia suportado anos de exposição às micro-ondas do aparelho que lhe era tão familiar mas desamado, Moulinex 2000. Royko perdera a vaidade de quando era jovem malga, de quando eram vivas e evidentes as inscrições coloridas sobre o fundo verde da superfície; de quando estas a identificavam como sendo Royko, a malga cup-a-soup, e não Royk qualquer-coisa, e as letras, cada vez mais esbatidas e imperceptíveis. As cores também já não reluziam o fulgor e vivacidade de outrora.
Royko tinha uma profunda embirração com Moulinex 2000 por considerar, a conselho de Arcopal - conhecedora peça de louça da alta-cozinha -, que as micro-ondas de Moulinex 2000 infligiam duros golpes mesmo nas inscrições de maior qualidade. Corria até o rumor de que uma das peças da família mais conceituada da casa, o serviço Vista Alegre, que vivia numa prateleira na zona chic da sala, num armário de modelo clássico, havia perdido a profusidade de elementos decorativos que a adornavam, por causa de Moulinex 2000. Dizia Royko a Arcopal, dentro do armário de parede da cozinha:
- Temos de fazer alguma coisa. Talvez pedir a Delta, a chávena de café, que atinja os circuitos de Moulinex 2000 com água.
- Isso seria uma missão suicida. Poderíamos provocar um curto-circuito de proporções graves e inconcebíveis. Delta poderia sofrer danos que desconhecemos.
- Então e Expo 98, a caneca comemorativa? Sempre é mais robusta e resistente...
Congeminaram as duas de forma tão suspeita que a elas se juntaram outras peças de louça, naquele momento pelas imediações. Todas, comunicando em infra-sons que só entre peças de louça são perceptíveis, fizeram alarido tal que até o velho Pirex se lhes juntou com dificuldade.
Foi nesse instante, quando todos conspiravam no primeiro andar de prateleiras, exactamente por cima da bancada de Moulinex 2000, que a porta do armário sossobrou à pressão e peso exercidos pelo tumulto que lá ia dentro. Nisto, Pirex, o mais pesado, sente o chão fugir-lhe e, atrás de si, a porta abrir-se. Tentou avisar os outros para que deixassem de empurrar mas, rouco e cansado, todo o esforço era inútil perante tamanho frenesim.
Pirex caiu mesmo em cima de Moulinex 2000, que ficou com a porta aberta, e uma amolgadela profunda impedia-a de se fechar. Moulinex 2000 foi, dois dias depois, levado por Joana, a ocupante humana da casa, para conserto. O bom velho Pirex resistiu à queda e foi glorificado por todos assim que retornou ao armário de parede da cozinha. A queda fora amparada por dois hamburgueres que estavam na bancada, a descongelar.
Entre os seus, Pirex ganhara o cognome de ‘O Destruidor’. Joana nunca suspeitou de nada. Culpabilizou-se por tê-lo deixado em desequilíbrio, por cima de um tacho.
n.b. - A comunidade fabular cacofónica de que escrevia resultou de um exercício de narração proposto pelo professor Luís Carmelo, numa aula de Escrita Criativa. A 'estórinha' foi escrita no corredor da Universidade.

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2 Comments:

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Anonymous Anónimo said...

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