"Jorge Palma, O artista português", Parte 2 (Entrevista integral, uncut, ao jornal Impress, 2003)
Por volta de ´70, andaste à boleia, sabe Deus como, um pouco por toda a Europa, a tocar na rua. Os tempos eram difíceis e conturbados. As drogas proliferavam e chegaram a perguntar-te, na tua própria casa, quem eras tu.
J.P. – Isso é já na segunda metade dos anos setenta.
Pois, é mais para a frente. Hoje já não manténs esse andamento...
J.P. – Não, em termos de drogas, não. A minha abstinência de bebida é bastante recente. Já fiz várias tentativas, sobretudo o ano passado, que deram em recaída e, neste momento (2003), acho que já ultrapassei essa fase.
E agora? Assentaste? A saúde é uma preocupação tua ou ainda te dás a alguns excessos? (uma vez que era uma chatice perdermos prematuramente um criador como tu)
J.P. – É verdade. Estou a fumar desalmadamente... senti-me... sobretudo... (é evidente que já tenho 52 anos e essas coisas sentem-se) ... eu bebia em excesso, as ressacas eram horríveis, e comecei a sentir-me deprimido porque não estava a construir...
Não eras tu que tinhas mão nas coisas...
J.P. – Não, às tantas já não era. Não tinha força de vontade, não tinha energia para construir coisas. Quando estava bêbedo não fazia nada de jeito, não é? Nem escrita... Houve mesmo situações de concertos em que eu saía de lá a sentir que podia ter dado muito melhor, ou me esquecia da letra ou, sei lá, que isso pode acontecer (acontece a muito boa gente), mas a sentir que a minha prestação, a minha dádiva, a minha oferta, estava muito aquém daquilo que eu podia fazer, e nas ressacas, então, era uma inactividade total.
Boémia e noites brancas... Para aproveitar o escasso tempo de viver? Consideras que, de alguma forma, o teu intenso desejo de liberdade foi alcançado ou, por outro lado, te prejudicou?
J.P. – Digamos que, na relação com as drogas, incluindo o álcool, há fases em que eu escrevi coisas que considero bastante interessantes e bem feitas sob a influência do álcool ou... sobretudo. O álcool, digamos que tem sido a minha droga - droga na medida em que consumia em demasia, sem controlo, porque é bom beber um bom vinho, um bom champanhe ou...
Nesse caso, pões de parte as drogas leves...
J.P. – Não, eu não tenho nada contra fumar um cigarro de haxe ou de erva, mas não sinto necessidade, percebes? Não é uma coisa que me ocorra frequentemente. Se estiver num círculo de amigos em que me passam um charro, eventualmente até fumo. Nesta altura do campeonato, estou a evitar tudo isso. A evitar não, estou mesmo afastado desses consumos. Estou a fumar muito e a beber muito café. São as coisas que neste momento me poderão estar a prejudicar do ponto de vista da saúde. Acontece que eu tenho um organismo de ferro, pelos vistos, não é? Senão, podia muito bem já não estar aqui... Mas há outra coisa fundamental em relação a isso, porque há aquele engano de que podes pensar que a criatividade se pode esgotar caso não tenhas o auxílio dessa bengala. Não sinto nada isso, pá! É um medo injustificado. Sinto a minha cabeça muito mais leve e livre. Essas experiências todas, aconteceram, tinham de acontecer e foram experiências. Podiam ter dado para o torto; felizmente não deram.
Tocaste no 1º Vilar de Mouros. Como sopravam os ventos nessa época em termos de oportunidades artísticas e mentalidades, comparativamente ao panorama musical hoje estabelecido?
J.P. – Bom, o Festival de Vilar de Mouros foi um acontecimento à escala nacional muito, muito importante porque vivíamos numa ditadura. Para todos os efeitos, o regime era o mesmo - era o Marcelo Caetano, já não o Salazar -, mas foi um recriar do Woodstock à escala portuguesa.
Dois anos depois...
J.P. – Exacto, e isso foi muito giro porque foi de facto muito pouco tempo depois. Foi uma lufada de ar fresco enorme. Passei lá o tempo todo. Acampei, como aliás quase toda a gente, porque não havia infraestruturas, e foi muito bom. Houve muitas bandas, aquilo funcionou maravilhosamente, o espírito... as pessoas despiam-se, queriam... os guardas não chateavam, a população local ficava um bocado de boca aberta, as lojas esgotavam tudo, não havia pão...
J.P. – Isso é já na segunda metade dos anos setenta.
Pois, é mais para a frente. Hoje já não manténs esse andamento...
J.P. – Não, em termos de drogas, não. A minha abstinência de bebida é bastante recente. Já fiz várias tentativas, sobretudo o ano passado, que deram em recaída e, neste momento (2003), acho que já ultrapassei essa fase.
E agora? Assentaste? A saúde é uma preocupação tua ou ainda te dás a alguns excessos? (uma vez que era uma chatice perdermos prematuramente um criador como tu)
J.P. – É verdade. Estou a fumar desalmadamente... senti-me... sobretudo... (é evidente que já tenho 52 anos e essas coisas sentem-se) ... eu bebia em excesso, as ressacas eram horríveis, e comecei a sentir-me deprimido porque não estava a construir...
Não eras tu que tinhas mão nas coisas...
J.P. – Não, às tantas já não era. Não tinha força de vontade, não tinha energia para construir coisas. Quando estava bêbedo não fazia nada de jeito, não é? Nem escrita... Houve mesmo situações de concertos em que eu saía de lá a sentir que podia ter dado muito melhor, ou me esquecia da letra ou, sei lá, que isso pode acontecer (acontece a muito boa gente), mas a sentir que a minha prestação, a minha dádiva, a minha oferta, estava muito aquém daquilo que eu podia fazer, e nas ressacas, então, era uma inactividade total.
Boémia e noites brancas... Para aproveitar o escasso tempo de viver? Consideras que, de alguma forma, o teu intenso desejo de liberdade foi alcançado ou, por outro lado, te prejudicou?
J.P. – Digamos que, na relação com as drogas, incluindo o álcool, há fases em que eu escrevi coisas que considero bastante interessantes e bem feitas sob a influência do álcool ou... sobretudo. O álcool, digamos que tem sido a minha droga - droga na medida em que consumia em demasia, sem controlo, porque é bom beber um bom vinho, um bom champanhe ou...
Nesse caso, pões de parte as drogas leves...
J.P. – Não, eu não tenho nada contra fumar um cigarro de haxe ou de erva, mas não sinto necessidade, percebes? Não é uma coisa que me ocorra frequentemente. Se estiver num círculo de amigos em que me passam um charro, eventualmente até fumo. Nesta altura do campeonato, estou a evitar tudo isso. A evitar não, estou mesmo afastado desses consumos. Estou a fumar muito e a beber muito café. São as coisas que neste momento me poderão estar a prejudicar do ponto de vista da saúde. Acontece que eu tenho um organismo de ferro, pelos vistos, não é? Senão, podia muito bem já não estar aqui... Mas há outra coisa fundamental em relação a isso, porque há aquele engano de que podes pensar que a criatividade se pode esgotar caso não tenhas o auxílio dessa bengala. Não sinto nada isso, pá! É um medo injustificado. Sinto a minha cabeça muito mais leve e livre. Essas experiências todas, aconteceram, tinham de acontecer e foram experiências. Podiam ter dado para o torto; felizmente não deram.
Tocaste no 1º Vilar de Mouros. Como sopravam os ventos nessa época em termos de oportunidades artísticas e mentalidades, comparativamente ao panorama musical hoje estabelecido?
J.P. – Bom, o Festival de Vilar de Mouros foi um acontecimento à escala nacional muito, muito importante porque vivíamos numa ditadura. Para todos os efeitos, o regime era o mesmo - era o Marcelo Caetano, já não o Salazar -, mas foi um recriar do Woodstock à escala portuguesa.
Dois anos depois...
J.P. – Exacto, e isso foi muito giro porque foi de facto muito pouco tempo depois. Foi uma lufada de ar fresco enorme. Passei lá o tempo todo. Acampei, como aliás quase toda a gente, porque não havia infraestruturas, e foi muito bom. Houve muitas bandas, aquilo funcionou maravilhosamente, o espírito... as pessoas despiam-se, queriam... os guardas não chateavam, a população local ficava um bocado de boca aberta, as lojas esgotavam tudo, não havia pão...
Brevemente, a Parte 3. Não perca os próximos capítulos.
Etiquetas: Imagens e Afins, Jorge Palma - Entrevista integral ao jornal Impress
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home