quinta-feira, fevereiro 16, 2006

"Jorge Palma, O artista português", Parte 3 (Entrevista integral, uncut, ao jornal Impress, 2003)


Esta tem alguma malícia: Se hoje tivesses 18 anos, inscrevias-te numa “Operação Triunfo”? Tendo em conta as directrizes que regem programas deste género, crês ser possível ver saltar Jorges Palmas, Godinhos, Zecas ou Dylans de lá para a ribalta? Ou seja, será que indivíduos com capacidades realmente acima da média e não simplesmente boas vozes...

J.P. – Pois, pelos vistos... mas já desde o “Chuva de Estrelas” que de lá saíram... Sara Tavares, por exemplo...

Mas... raros casos...

J.P. – São raros casos...

Também com o apoio que tinham na retaguarda... tendo presença e uma boa voz não seria tão difícil mas...

J.P. – Pois...

No teu caso, vocês que tiveram de lutar por um lugar ao sol e o conseguiram por mérito próprio...

J.P. – Bom, repara, há um bocado estávamos a falar de a gente se conhecer, os músicos, as bandas, não é?, e os cantores como o Paulo de Carvalho, o Fernando Tordo, o Carlos Mendes... Havia uma...

Um certo espírito comunitário?

J.P. – Havia um espírito de comunicação muito aberto, de entreajuda, e, por outro lado, com o pessoal dos meios de comunicação. Olha, o Carlos Cruz, por exemplo; o Thilo Krassman, o Júlio Isidro... As pessoas que já nessa altura estavam em controlo das poucas editoras que havia... Tratávamo-nos todos por tu e, de certo modo, eu, por exemplo, tocava... benzinho, não é?, e então todo o pessoal do meio me conhecia. Portanto, não me foi muito difícil gravar os primeiros discos. E nunca tive problema, de facto. Quando eu tinha material, nunca me preocupei com uma regularidade de se fazer um disco por ano ou...

Quase automaticamente, as pessoas do meio reconheciam-te valor...

J.P. – Sim, desde os primeiros discos.

Achas sinceramente que, hoje, um indivíduo com o talento do Sérgio Godinho ou do Bob Dylan, por exemplo, com vozes nada por aí além, passavam num casting a imitar outro? É por isso que estou a fazer esta pergunta.

J.P. – Exacto. Vêem-se ali óptimas vozes, muitas delas já bastante seguras e bem trabalhadas... Agora isso não chega porque, sobretudo a nível de letras e de composição num modo geral, letras e músicas...

Eles assim são como receptáculos...

J.P. – Exacto. Reproduzem mas não produzem a matéria prima. E, nesse aspecto, temos algum défice. Por outro lado, há bandas a escrever muito bem, até em inglês, como é o caso dos Blind Zero, entre outros... Temos aí os Clã, temos muita gente a fazer coisas muito porreiras. Mas eu não estou a tentar fugir à questão da “Operação Triunfo” e do “Chuva de Estrelas” e não sei quê...

Mas não seria muito mais produtivo ter também gente a tocar realmente?; grupos, projectos, ao vivo?...

J.P. – Repara numa coisa: Para todos os efeitos, esses programas são operações de marketing, máquinas de construir audiências, e eu prefiro qualquer desses programas, até pelo pessoal que envolve - a Maria João, os professores e não sei que mais -, mas aquilo não é uma academia de facto, ou seja, a maior parte daqueles putos não vai tendo apoio à medida que vão saindo. Conquistam alguma visibilidade, aprendem alguma coisa. Embora para alguns possa ser eventualmente um trampolim, é uma questão de sorte também, de jeito para se mexerem, e de talento! Eu acho que o que conta no fim é o talento e a vontade.

Não me oponho à existência desses programas, nem pouco mais ou menos.

J.P. – Se comparares com “Big Brothers” e não sei quê, mil vezes este...

Nem acredito que, num programa deste género, os tipos que têm um talento nato, que queiram escrever e que queiram fruir a liberdade de fazer coisas como tu fizeste, o Sérgio Godinho, ou outros, e que tenham coisas para dizer, se os há, sequer concorram a um programa destes pela mera questão da visibilidade...

J.P. – Pois... eu, sinceramente, acho que não é por aí que se vai construir um tecido artístico... Para criar estruturas, não é por aí. É evidente que o que faz falta é, para já, locais como o Johnny Guitar...

Hoje em dia não temos sítios para tocar...

J.P. – Não há, não há... isso é uma grande lacuna. Falta a prática de ver disseminadas coisas assim.

Nunca pensaste em fazer uma coisa do tipo Johnny Guitar?

J.P. – Epá, eu acho que sou um desastre para gerir um negócio desses (risos). Mas voltando, sobretudo a rádio... Tu ouves a maior parte das estações de rádio, as mais importantes, com maiores audiências, parece que estás em Inglaterra ou nos Estados Unidos, e a passar temas ou “muita” velhos ou mesmo mauzinhos... Nem sequer é a melhor música anglo-americana que é passada, de um modo geral. E na televisão, que é que tens? Tens talk-shows, vais lá fazer um playback ou tocar uma musiquinha e pronto. Saiu um álbum...
Tu não te dás muito aos playbacks ...

J.P. – Prefiro tocar ao vivo, é evidente. Uma coisa são os programas que nos anos oitenta havia, programas de uma hora, semanais, com o pessoal português, que deixaram de existir. Hoje, quando o rei faz anos, aparecem os Madredeus, mas não há essa prática, o que é um desconsolo, acho que é ridículo. A única hipótese que tu tens de aparecer na televisão e mostrares uma canção ou duas do teu novo álbum, é ires ao Herman. Mas normalmente não há condições sequer para tu tocares ao vivo. O Herman, por acaso, é uma excepção. A maior parte das bandas que lá vão até fazem... como é uma série de convidados, em tempo real, para montares o backline, para não sair um som de merda, tu jogas pelo seguro e fazes o playback. Isso, nesse aspecto, não está nada facilitado.
Brevemente, a Parte 4. Não perca os próximos capítulos.

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6 Comments:

Blogger Kaiser said...

Estou a adorar este "tête-à-tête" com o Jorge Palma: Vamos partir este bar!!!

quinta-feira, fevereiro 16, 2006 11:08:00 da manhã  
Blogger Davi Reis said...

Kaiser: Lembras-te de quando te vimos, no Páteo Bagatela, cada um com um enorme saco de roupa vinda da lavandaria... Eu tinha ido à casa do Jorge para lhe mostrar a entrevista impressa. Esta que publico no Caderno de Corda não corresponde àquela impressa, uma vez que essa, além de formatada jornalisticamente (dando menos protagonismo ao entrevistador, por exemplo), fora tratada para uma página de jornal. Dizes bem, Kaiser: um tête-à-tête integral sem cortes nem edições. E, curiosamente, testemunhaste o momento em que, depois do trabalho feito, mostrei ao Jorge a entrevista, que foi chamada de primeira página do primeiro número daquele jornal de boa memória fruto do trabalho e carolice de meia dúzia de alunos da UAL. Estavas lá, por obra do destino, e hoje, novamente, cá estás... Deve haver qualquer coisa escrita pela mão dos deuses que nos une...

Aquele abraço, mano velho

quinta-feira, fevereiro 16, 2006 6:43:00 da tarde  
Blogger Pim said...

Maravilha, camarada! A simplicidade da conversa dá-lhe uma intensidade brutal! Depois dos primeiros três episódios, por aqui cresce a ansiedade pelos próximos... Venha lá rapidamente o quarto capítulo! ;)

Abraço grande, davi!

P.S.: Continua a ser problemático entrar no teu blog... A lentidão de processos dá-me cabo da paciência. O problema provavelmente é do meu computer, mas, pronto, não deixa de ser um problema constante.
Serve isto para justificar as poucas vezes em que dou aqui um saltinho apesar da vontade de o fazer.

Allez!

quinta-feira, fevereiro 16, 2006 9:46:00 da tarde  
Blogger Davi Reis said...

Pim! Deve ser por causa da música... O teu elogio, sabendo-o eu sincero, vale por muitos que gostaria de ver escritos por estas aparentemente desoladoras caixas de comentário... Acho que prefiro assim, de qualquer das formas...

Aquele abraço!

sexta-feira, fevereiro 17, 2006 12:19:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

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domingo, maio 21, 2006 11:00:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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sábado, julho 22, 2006 6:26:00 da tarde  

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