quarta-feira, março 15, 2006

Cartas de Amor Ridículas 4

À minha frente o Tejo
e um quadro nocturno,
a lua e um espelho ondulante de prata.
Luzes ao fundo e o mote está dado.
Mãos vazias, lágrimas que rejeitei,
que se foram como se eu não quisesse.
Rasgam as luzes as lágrimas rejeitadas,
choradas por tudo e por nada.
Somos homens e mulheres para a eternidade
breve deste corpo.
Em essência, somos um, o mesmo.
Depois de fundidas nossas almas,
será tão difícil caminharmos juntos,
percorrermos a mesma estrada?

(...)

E se tudo o que quisemos e pensámos
já não é rico nem fecundo,
seremos nada,
fugindo do obstáculo que somos para connosco;
seremos para sempre ímpares na mesma estrada,
agora bifurcada.
O destino é um programa que nos sintoniza
se não nos encontrarmos,
se vivermos apenas segundo os próprios interesses.
Muitas são as oportunidades para nos entregarmos
na mais profunda solidão.
É eterna a minha mão,
mas uma vez negada tão cabalmente,
não me resta sequer nestas palavras inspiração.
E que dura a tarefa de escrever para não estar só;
para te roubar um pouco do tempo que também perdi...
Tento sublimar e não consigo.
A água segue o caminho de menor resistência, menor oposição,
e eu, fogo, não a posso conduzir nem perto do meu moinho.
Conduzo nada sequer. Sou inútil sozinho.
Estou abafado e sem ar, incapacitado de ser como bem quiser,
de amar o que vejo, saudar a manhã.
Mas sei que posso ser tudo o que desejas...
talvez amanhã.
Talvez nalgum dia enevoado eu apareça.
Talvez nalgum dia soalheiro tu desse pedestal desças.
Talvez seja eu quem então franza o sobrolho.
Talvez o Verão me traga a velha dor no joelho.
Mas não é o joelho que tenho entalado na garganta,
ou que me obstrui o peito.
Seja eu o sincero, seja eu bom,
seja eu verdadeiro, profeta do idílico impossível e perfeito,
tão atraente quanto suspeito.
Seja eu sem receio.
Sou mais que o momento e a memória;
eu sou dias inteiros.
n.b. - Nem toda a poesia pode ser luminosa e inspirada. A Carta de Amor Ridícula 4 é disso exemplo. Fica, no entanto, o registo. Melhores poemas virão.

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei.
M.

quarta-feira, março 15, 2006 11:23:00 da manhã  
Blogger SL said...

É fabuloso! Ridiculas são as pessoas que não gostam destes teus versos...
Jinhos

quarta-feira, março 15, 2006 1:10:00 da tarde  

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