domingo, junho 17, 2018

Sobre a Almofada dos Teus Ossos (parte 3)

O que querias ver claramente cegou-te;
o que mais querias possuir aprisionou-te,
mesmo sabendo não poder deter
algo que se pretende ver voar.
Sob disfarce, como se ninguém soubesse,
mais cantavas sublimemente
e menos se imaginava
que esses olhos secos
vidravam a tua verdade crua,
feia, que as vozes te segredavam
e que nas palavras expuseste
sem que alguém verdadeiramente as lesse
e escutasse para te salvar ou odiar.
Amado, não te compreendias,
como se por te amarem
te tornassem devedor
e incapaz de retribuir.
Desmereceste-te.
O espelho repudiava a tua imagem
e os outros não inquiriam o sorriso pintado
através do qual te escondias
e crias forjar as emoções.
És o inimigo de ti, o inimigo que tragicamente trazes contigo.
Porque não existe tal coisa como nada.
Só a exaustão que te adormecia.
Que te seguissem quando nada liderasses,
quando te perdesses e fosses apenas inseguro,
frágil e puro, inerme, amado incondicionalmente.
Porque não existe tal coisa como coisa nenhuma.
Como dantes, dormes sob um lençol de lua cheia,
sete penas na cabeça e sonhos a pairar sobre a cama,
perdidos atrás de palavras que nunca encontrarás,
e as estações seguem-se umas às outras.
Tinhas o dedo no gatilho. Prometeste desligar o mundo.
Dormi por duas noites sobre a almofada dos teus ossos.

Poema (terceira parte) concluído na madrugada do dia 17 de Junho de 2018 pela morte de Chris Cornell (Seattle, 20 de Julho de 1964 - Detroit, 17 de Maio de 2017) 



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