sexta-feira, outubro 04, 2024

Nova canção: "Não Esqueças de Lembrar" [4’16”]


Memória descritiva:
A “Canção da Rosarinho”, como foi oficiosamente titulada até à conclusão da letra, é a mais recente das canções cordianas, concluída na madrugada de 9 de Setembro de 2024, dia do sétimo aniversário da minha filha, Maria do Rosário de Almeida Pereira de Brito Simões, a quem é inteiramente dedicada. Foi-lhe oferecida para primeira escuta integral com fones nessa manhã, à mesa da cozinha, antes do pequeno-almoço e das primeiras prendas do dia. Foi por ela e para ela que “Não Esqueças de Lembrar” começou a formar-se, resultante de uma composição original de guitarra cujo processo de descoberta se iniciara ainda antes do nascimento.
A ideia inicial, bastante anterior ao processo de composição, fora inspirada preambularmente pela acústica melancólica dos Death Cab for Cutie, ao largo da qual derivei longamente quando ainda residia em Lisboa. Queria fazer uma canção com travo adocicado indie folk, mas sabia ter de encontrar outros elementos, harmonias e frases musicais que me retirassem do universo melopeico e do efeito hipnotizante que aquela sonoridade surtira sobre mim instantaneamente. Se quisesse fazer algo verdadeiramente único, tinha de encontrar o meu próprio caminho, e fui deixando o tempo fazê-lo, indicando-o para mim.
Assim foi quando compus o corpus que acompanha as estrofes de verso de “Não Esqueças de Lembrar” — uma estrutura harmónica organizada em torno de uma linha melódica descendente com início tonal em Dó maior, culminando em resolução cíclica, levando-nos pela mão, de regresso ao ponto de partida. Os trechos encerram-se com a sensação renovada de resolução e continuidade, até que, por fim, tomam outro rumo, partindo a coda de um Dó maior com sétima (C7M) sussurrado por Bob Dylan, o próprio. Abordaremos esta questão adiante.
A Rosarinho teria menos de um ano quando gravámos os balbucios que se ouvem na introdução da canção. Usei então os microfones estéreo do Boss BR-800 no escritório de casa em Santarém, sem quaisquer cuidados, com janelas abertas, o chilreio de pássaros e o ladrar da Jane lá fora, aliás audível na gravação. Terá sido também por essa altura que foi gravada a primeira guia de guitarra e uma melodia pouco depurada de voz. Já tinha a ideia essencial e algumas das palavras que vieram a compor a letra, mas era tudo ainda vago e pueril. Apesar de rudimentar, a guia era estruturalmente correcta e fiel à premissa estabelecida, e até a melodia de voz se tornou muito útil, ainda que de modo fragmentário, para a definição do que veio a ser a versão final — um proveitoso apontamento encapsulado de mim para comigo, para também eu não esquecer de lembrar, quase sete anos depois.
Muita água passou debaixo da ponte e muitos sóis se puseram até que, porque queria concluir a “Canção da Rosarinho” em tempo útil para nós e para projectos que se avizinham, e aproveitando uma semana de férias caseiras em Julho de 2024, resgatei o gravador BR-800 onde se encontrava registado o esboço da canção e revisitei-a com pragmatismo e propósito. A letra ficou fechada ao segundo dia de férias, a melodia também e logo iniciei a gravação da tríade de guitarras — a viola Artis de cordas de nylon à direita, a electro-acústica Ibañez EWC-30 de cordas de aço à esquerda e a acústica de 12 cordas Fender Tim Armstrong Hellcat ao centro.
A gravação decorreu no loft da minha casa em Almeirim, sendo que a Rosarinho assistiu, enquanto desenhava silenciosamente, a parte significativa das gravações de cordas. Tanto as três guitarras como as cinco pistas de voz foram gravadas com o microfone de condensador largo Golden Age Project FC3. Considerando as minhas limitações vocais, optei por gravar cinco pistas de voz, com uma voz média ao centro, ladeada proximamente por duas vozes graves, formando uma coluna vocal ao centro, e, nas alas, duas vozes agudas, em falsete, numa oitava que me obrigou a sussurrar encostado ao pop filter, imaginando-me a cantar suavemente ao ouvido da Rosarinho.
Foram tidos cuidados com os ruídos, mas insuficientes. Por exemplo, foram deixados passar ruídos de pingos do aparelho de ar condicionado por volta de 1’52”, que felizmente se confundem com o áudio de um melro-preto. Porque não usei, mais uma vez, software de edição para modelar ou editar as pistas instrumentais e de voz, tenho de considerar que tais falhas atribuem carácter à canção, não desdenhando dos benefícios da tecnologia. Em boa verdade, utilizei o Audacity, mas para compor as vozes da bebé Rosarinho que se ouvem na introdução e, a meio, o canto do melro, retirado de um registo do canal de YouTube “hebrideanwild”, declaradamente inspirado por “Blackbird”, dos The Beatles, que também usaram o áudio de melros na sua canção.
A coda, cuja dinâmica se altera num suave crescendo, pedia algo percussivo como pandeireta, shaker ou ambos, mas, após algumas experiências simples com microfone aberto, não quis introduzir mais texturas rítmicas e elementos de captação natural, acrescentando camadas desnecessárias de som ambiente e correndo o risco de “sujar” um ambiente sonoro razoavelmente “limpo”. Por uma questão prática, optei apenas pelo shaker, que surge à esquerda em fade in, para se passear em torno do ouvinte e terminar ao centro com duas semínimas nos terceiro e quarto tempos do último compasso. Podia ter adicionado camadas de complexidade aos arranjos, à composição, à letra e à própria gravação, mas quis fazê-la simples e directa. 

Recensão autocrítica:
Oferecida, portanto, a 9 de setembro de 2024, dia do sétimo aniversário da minha Rosarinho, esta era uma canção especial, que considerei indispensável para fechar obra sonhada, de que em breve haverá notícias. A gestação de cerca de sete anos traduz o tempo necessário para fazer jus à observação da famigerada grande virtude da paciência, de que tantas vezes falo à Rosarinho, e de que tantas vezes me falara a sua bisavó Rosário. Retrocedendo então ao ponto de partida, terão sido os Death Cab for Cutie que provocaram a intenção exordial de fazer uma canção, sem saber ainda para que fim, com que fito. Quando a ouvi pela primeira vez, quis tocá-la de imediato, sabendo instintivamente que algo floresceria da descoberta. A ambiência já indiciava uma potencial canção de embalar melancólica mas doce, como veio a verificar-se, mas fiquei viciosamente cativo na melodia e nos acordes, e tive de procurar caminhos alternativos e complementares. A certo ponto do processo exploratório, compus o tal corpus que acompanha as estrofes de verso.
Só mais tarde, era a Rosarinho bebé, compus a bridge que se ouve do primeiro para o segundo terço da canção e que funciona como um interlúdio simbólico da presença dos The Beatles nos altifalantes e nos espíritos cá de casa. Do ponto de vista compositivo, é também uma pequena homenagem à banda de Liverpool — um trecho que deriva de flexões e inflexões, também elas descendentes, de “Blackbird”. Daí, da letra e da lógica da canção, também acontece a oportuna inclusão do canto de um melro-preto, à semelhança do que os The Beatles fizeram na sua canção. Faço ainda questão de mencionar que, na composição vocal, voltei a ter os Fab Four como referência, inspirando-me em aspectos melódicos e líricos de “For No One” (“Amanhã de manhã…“), “A Day in the Life” (“Nos teus olhos brilha o mar…”) e ainda, muito remotamente, “Hey Jude”. O final é segredado pelos Death Cab for Cutie e por Bob Dylan, a quem pedi emprestados acordes de “Don’t Think Twice, It’s All Right”, a começar pelo tal Dó maior com sétima (C7M).
A letra foi escrita a pensar numa menina de seis anos, quase sete. Simples, centra-se inteiramente em ideias e conceitos comungados por pai e filha, em memórias comuns e em senhas e contrassenhas. São disso exemplo, desde logo, os dois primeiros versos, adaptados do poema “Setentrional”, de Cesário Verde – versos que constituem um dos nossos códigos. Se pergunto «como é o nosso amor?», recebo a resposta «grande, grande como um mar sem praias». Não querendo fazer apreciações, dissecações ou dissertações sobre a letra, que é íntima e autoexplicativa, não posso deixar de referir que esta é uma canção para ser escutada à la longue, como a letra sugere, também pelos vindouros.
Ao tema óbvio do amor paterno e incondicional, soma-se uma abordagem poética que mistura a simplicidade e a profundidade de uma canção de embalar, em que os elementos dos sonhos, da memória e da continuidade se entrelaçam no desejo de perpetuar o amor e a ligação para lá do aquiagora, como se uma canção pudesse ser cápsula de amor preservado, pronta para ser reaberta adiante. A estética simples e acústica faz de “Não Esqueças de Lembrar” uma peça direta, mas emocionalmente esmerada, doce e melancólica, que abraça e embala na ternura de uma declaração de amor intemporal, sublinhando a importância da memória como ato de carinho e permanência, bem como a transmissão de valores e afetos que sobrevivam ao teste do tempo para serem expressos e vividos ativamente, nomeadamente através da arte e da imaginação.
“Não Esqueças de Lembrar” procura estabelecer um diálogo implícito entre passado, presente e futuro, pelo qual o amor é o fio condutor que une gerações. Esse conceito de continuidade e herança emocional é talvez o imo da letra, cujo apelo final simboliza não apenas a canção como um legado, mas também um amor que transcende o tempo e as palavras. Insha'Allah.

Não Esqueças de Lembrar
(letra)

Um amor grande
como um mar sem praias
Quando te vi
fui de alegria às lágrimas

E nos teus olhos
não deixes de lembrar
… os meus

E enquanto puderes lembrar
não esqueças de cantar

Nos teus olhos brilha o mar
e um pôr-do-sol aberto de par em par

E nos teus sonhos
não deixes de sonhar
… os céus

Amanhã de manhã
vai brilhar uma estrela,
é aquela que revela
não haver adeus

Dessa janela
não esqueças de lembrar
… os teus

Hás-de poder cantar
esta canção de embalar
a quem a souber ouvir
e mais tarde escutar,
a quem seja para nós
uma bênção de Deus
Não te esqueças de a cantar aos teus

Amor meu,
coração fora do peito,
contigo sou inteiro,
somos um desse jeito
Somos um só grito,
infinito,
amor perfeito,
não esqueças de lembrar

Setup da gravação caseira das vozes

Etiquetas: , , , ,

quinta-feira, novembro 02, 2023

A última canção

quinta-feira, outubro 19, 2023

Aquela Canção

Caminho sem caminho
até que a música me encontra
numa cegueira marejada
de prantos vulcânicos.
Transbordante, toma sentidos
de sentidos sussurrados
à intocada flor da pele.
Como se visse, intangível,
o som conhece-me melhor assim,
fosse tal coisa possível.
Em inspirada melancolia,
torna a tristeza poesia.

Casa é aqui, agora, na penumbra,
sob um lampião fundido.
O uivo da tempestade
e o gemido das ondas na praia
orquestram memórias primitivas
de um canto adâmico de areia
engasgado no diafragma;
de estrelas amarradas ao céu
e de uma face lunar que entoa,
à volta da fogueira,
canções de magma esquecidas há evos.

Vigilante está em tudo
e em toda a parte
uma melodia universal.
A música grava em nós
quando julgamos gravá-la.

Sinto os lábios húmidos e tenros;
o cheiro nectarino do cabelo
mesclado com o odor metálico de um brinco;
o pescoço deleitável e mavioso
ao alcance impossível da boca
quando toca aquela canção.

Regresso à noite em que caminho
sem caminho, de olhos no chão,
e encontro a cassete que me estava destinada
precisamente na noite do abandono,
quando as pedras da calçada pareciam maiores
do que o sono e do que qualquer estrela.
E ainda consigo, aos primeiros acordes,
estar ali de novo, de mãos nos bolsos ruços,
arrepiado, nariz pingado e carapuço,
sob um lampião amarelado da 24 de Julho.

Sou dado a voar no Estádio do Restelo,
libertado por duas pombas antes aninhadas
nas palmas destas mãos frias e suadas.
Sou o Redondo de Sanlúcar de Guadiana
que vinha de Alcoutim para jogar à bola,
e sou-o no nylon surdo de uma viola.
Sou a flauta de Pã e a roda de esmeril
avizinhando-se o amolador, mas sou sobretudo
o odor telúrico e mudo da Rua Martim Vaz,
tingido por roupa lavada a secar nos estendais.
E, como quem faz de nada tudo,
encontro-me eterno no beiral dos avós
a pensar se chamo a Rosário para o dominó.

Foi o som que me trouxe primeiro
o coração sincopado de mãe
e o mundo inteiro lá fora.
Do berço de agora e de todas as horas,
o rádio tocava a canção que me quer bem,
a rima rúnica de um terço anglo-saxónico,
entoada com pronúncia de Liverpool,
urdida num espectro sónico intrauterino
e explosiva num clarão lúcido e transparente
que iluminou de Sol materno ventre.
Misteriosamente, a canção sempre me conhecera,
como outras que pintam paisagens audíveis
em insulamentos fetais de supernovas,
mostrando-nos que somos do mundo.

Numa linguagem que a razão não compreende,
a música exprimiu a mais alta filosofia
além da sagrada ausência de matéria,
dizendo-me que dentro estaria
tudo o que lá fora já era
- um horizonte eterno e infinito
de comoções que habito
numa paisagem cromática audível
de tempo e espaço profundo,
semitonado, subtil, inapreensível.

Vigilante está em tudo
e em toda a parte
uma melodia universal.
A música grava em nós
quando julgamos gravá-la.

Matemático, o som do silêncio
conforta o pobre e apazigua o rico;
comporta os justos e os injustos;
a ave, a vespa, a flor de trigo;
a morsa, o urso e a planta;
a respiração sustida, os seios robustos
de sensuais tágides de granito.
Em tudo alguma coisa canta.

Regresso à doçura de um estio
de sangue, açúcar, sexo e magia no ar
- Peppers em loop no rádio.
Faço uma serenata à beira-mar,
roubo o primeiro beijo à beira-rio
e ainda sinto, ao percutir dos tambores,
o traseiro frio nos degraus do Adamastor
e farejo emanações canábicas
a entreolhar miradas lustrosas e melancólicas,
desesperadas por aceitação,
entregues aos bardos de Baco.

Regresso aos bons velhos tempos,
esquecido de ter tido a cabeça na valeta,
levantada por um sem-abrigo.
Sirenes, mas nunca a silhueta
de uma cara sardenta
a encher-me o olhar.
Talvez a canção do desgosto
tenha encontrado o seu alvo
- um fogo posto, um rei morto,
um cupido alado
com péssima pontaria.

Regresso àquele dia, àquele ano,
atrás da porta, a Salvador da Baía,
a um beijo de Chico e Caetano,
pés cruzados com pés morenos
a ver na TV programas gentios e plebeus.
Nos olhos teus o meu olhar era de adeus.

Há incenso de escalada nos Santos
à conquista da Costa do Castelo
sob um céu vermelho-sangue
de druidas celtas contemporâneos
em noites brancas de trovadores em pelo
na relva interdita de São Pedro de Alcântara.
Em toda a parte alguma coisa canta
- no outono de débeis violetas,
no murmuroso assédio dos insetos.
A efemeridade é probatória
de sinfonias celestiais de Verão.
O som é ontologia da memória
e dança-nos de parte incógnita
quando toca aquela canção.

Etiquetas: , ,

sábado, setembro 19, 2020

Mãe

Completa-se hoje uma semana que a minha mãe partiu, ainda não seriam sete da manhã de dia 12 de Setembro. A minha mãe está viva em mim. Ela é eu e eu sou ela, como sempre fomos, indissociáveis. Se sou Amor, carinho, ternura e compaixão, sou ela. 
Marco a passagem desta semana sem adjectivos ou qualificativos, mas com uma canção que escrevi, compus, toquei, cantei e gravei chamada "Mãe", publicada no dia 5 de Maio de 2013 (dia da Mãe) no Caderno de Corda. A canção contou com a colaboração do meu querido amigo Sebastiano Ferranti, que tocou bateria, gravou, misturou e masterizou no seu estúdio caseiro. O baixo e as guitarras foram gravados por mim, em minha casa, num modesto gravador de quatro pistas. 
Apesar destes e de outros factos, esta não é uma canção de dia da mãe e muito menos um tema de alegre exaltação à progenitora ou a uma qualquer efeméride que daí decorra. Em boa verdade, é uma canção que, perante medos, desesperanças, sofrimentos e solidões, clama pela mãe - a mãe de todas as mães, porventura o Eterno Feminino. 
"Eterno Feminino" terão sido as últimas pa­lavras de Goethe, no segundo Fausto, para designar a atracção que guia o desejo transcendente do homem. Curioso que eu tenha utilizado, na letra, ideias e palavras de Fausto (o Bordalo Dias), mas também de Jorge Palma e, muito especialmente, de José Mário Branco. Na ideia referida de Goethe, o feminino representa o desejo sublimado, o que é proclamado por um coro místico: "O Eterno Feminino atrai-nos para o Alto." 
Em muitas cogitações filosóficas, antropológicas ou místicas, a mulher está mais li­gada do que o homem à alma do mundo, às primeiras forças elementares, e é através dela que o homem comunga dessas forças, encontrando no Amor a grande força cósmica. 
A Virgem-Mãe, Nossa Senhora, é uma encarnação evidente do tema. O Feminino autên­tico e puro é, por excelência, uma energia luminosa e casta, portadora de coragem, de ideal e de bondade a que recorremos em oração e, amiúde, em desespero de causa, clamando pela mãe. Por vezes, escrevem-se canções com esse fito... 
Para Jung, o feminino personifica as tendências psicológicas femininas na psique do homem, como, por exemplo, senti­mentos e humores instáveis, intuições proféticas, sensibilidade face ao irracional, capacidade de amar, a faculdade de sentir a natureza e, finalmente, as relações com o inconsciente.
Se foi nisto que o Jorge Palma pensou quando escreveu, por exemplo, o refrão da "Canção de Lisboa", ou o Fausto, quando redigiu o poema da canção "Ó Mar", que obviamente inspira a segunda e a terceira estrofes, não faço ideia, mas certo é que o José Mário Branco tocou a ferida universal quando descambou num pranto doloroso à mãe já na parte final da épica canção "FMI", à qual roubei palavras que adaptei para a última estrofe e último refrão da minha canção "Mãe".


* Mãe - letra *

Meto à boca o pão
seco, duro como pedra, amor
que não me deste a...
beber do teu suor
o sal da vida salga
a ferida eterna e universal
Sou mais do que animal,
mais que a fera parida
- Mãe -

O que o tempo esqueceu
leva que hei-de voltar ao mar
profundo de um sono meu
Eu sou como quem vem
desamparado pra regressar
ao fundo ventre da mãe
Sou mais do que animal,
mais que a fera parida

- Mãe -

Sou algo que é só meu,
faço comigo o que quiser
Desde que haja amor?
- Amor não dá de comer
Não posso desnascer,
ir embora sem ter de ir embora,
sou deste tempo,
entre fugir de me encontrar
e me encontrar fugindo

- Mãe -

Etiquetas: , , , , , ,

segunda-feira, março 23, 2020

A canção do meu Pai

Compus e gravei esta canção para o meu pai quando era seu cuidador. O "Naninho" (como eu lhe chamava nestes últimos anos) acompanhou todo o processo, em casa comigo, ao longo de largas horas de prática e gravação, especialmente durante a noite. Apesar da demência, entoou a canção, bateu o pé e meneou a cabeça quando a masterizei e lha mostrei nos phones. Hoje, que o meu pai chegou à sua morada definitiva, divulgo pela segunda vez a canção que fiz só para ele em 2014. Devo ainda mencionar a colaboração do meu querido e velho amigo Nuno 'Dino' Rodrigues, que me recebeu em sua casa, no seu estúdio caseiro, para gravarmos o coro.

Etiquetas: , , , , , , ,

terça-feira, fevereiro 18, 2020

Beatriz Sousa dos Santos Damião Pinto


Inicia-se, por esta mesma hora, uma viagem de deslumbramento. A madrugada alta abriu-me as persianas com esta imagem, recebida às 5h34. É o dia da Beatriz, mas também da Carolina, da Sofia e do Ricardo; do clã Pinto e do clã Damião; dos amigos e de todos quantos lhes querem muito. É por esta mesma hora que a Beatriz, a portadora de felicidade, inicia a sua rota peregrina. E eu, feliz até às lágrimas, sou um privilegiado por partilhá-lo. Até já.

Etiquetas: , , , ,

terça-feira, novembro 19, 2019

José Mário Branco, do Porto, muito mais vivo que morto

Tive o privilégio de conhecer José Mário Branco em 2008, mais precisamente no dia 9 de Fevereiro, quando os meus Baby Jane se juntaram a ele em concerto de protesto pelo Movimento Porta 65 Fechada. Além da grandeza da obra, do carácter e do génio, ficou-me gravado o trato extraordinariamente afável de um homem terno, solidário, generoso e humilde, pronto para os outros e para a guerra. Ouçamos a imortal catarse.


Resultado de imagem para porta 65 fechada "josé mário branco"

Etiquetas: , , , , , ,

sexta-feira, agosto 17, 2018

Xutos'1000 - Não sou o único


No passado dia 7 de Julho fiz-me à estrada às 7 da manhã para estar no Pragal pela fresquinha, prestes a enfrentar um dia de calor, à torreira do sol, para homenagear o Zé Pedro e os Xutos & Pontapés numa interpretação massiva de "Não Sou o Único" pelos fãs da banda com vista à posterior realização do vídeo que aqui se divulga. 
Eram para ser 1000 mas foram menos - cerca de 700, mais coisa, menos coisa. A organização foi esforçada, mas talvez carecesse de mais meios para atingir os resultados a que se propusera. Pela minha parte, foi um dia necessário, já que eu não me furtava à homenagem, ainda que preferisse associar-me a um evento no qual a organização não se colocasse tanto no centro dos acontecimentos. 
Houve pessoas que voaram de Inglaterra para Portugal e outras que atravessaram o País para estar presentes. Pessoas que se prepararam em casa para tocar como se do seu instrumento dependesse o sucesso do evento, mas que, infelizmente, praticamente nem aparecem no vídeo (ou não aparecem mesmo), dando-se primazia a uma massa de gente no coro que certamente não teve de carregar material pesado ou fazer trabalho de casa, a alguns dos organizadores e aos chamados "líderes de naipe", cujo trabalho de preparação podia ter sido melhor sob alguns aspectos. 
A título de exemplo, e aqui numa crítica declarada à edição de vídeo, no momento do solo de guitarra o que vemos é uma mole de gente no coro com braços no ar e... mais braços no ar quando havia dezenas de músicos destacados numa fileira de guitarras solo aos quais não é dado um segundo, senão um destaque já descontextualizado do solo para o "líder de naipe", a posteriori... Frequentemente vemos também planos de corte de instrumentistas e vozes desfasados do tempo da acção e da música... 
Enfim, não querendo ser tão crítico como poderia (podia ir mais longe), devo dizer que o dia se passou bem, especialmente tendo em conta que estive na companhia de um amigo feito in loco, o guitarrista Nuno Conde, a quem fiquei a dever o facto de não ter apanhado um escaldão à séria graças ao protector solar dos filhos dele.  

Etiquetas: , , ,

terça-feira, agosto 14, 2018

Videoclip de "Silêncio (Estamos no Ar)"


A canção "Silêncio (Estamos no Ar)" foi apresentada AQUI, no Caderno de Corda, mais precisamente no dia 25 de Março de 2015. Hoje publico o videoclip possível, realizado por mim com recurso ao software Movie Studio 15, mais uma vez pejado de imagens ilicitamente obtidas do YouTube.
Compus, gravei, toquei, cantei, misturei e masterizei integralmente a música em casa (música, letra, baixo, guitarras, pandeireta, vozes, Stylophone e demais instrumentos) no gravador digital de oito pistas Boss BR-800. A bateria foi inteiramente tocada e programada na unidade de ritmo Boss DR-880. Todas as informações no post de lançamento da canção.

Etiquetas: , , , ,

domingo, junho 17, 2018

Sobre a Almofada dos Teus Ossos

Viste os anjos cair de alturas vertiginosas
e tu, como eles, sabias ser tão mais humano do que divino
— o próximo, tarde ou cedo.
De cada vez que olhas para o Sol
procuras a razão de ser e, perfurante,
a visão, cega, queima a luz e tudo em redor,
deixando-te caído numa Lua bêbeda e entorpecida,
vacilante, imprópria dos imortais.
Vamos, criança lunar que estás tão longe esta noite.
A porta já foi arrombada de par em par.
Como foi que te fizeste brisa volátil mas selvagem,
flor de prata tão distante e capaz de florir a qualquer instante,
em qualquer parte?
Crepúsculo e sombra, és o passageiro, a visão e a cicatriz,
as brasas do teu mistério, que afagam a incredulidade
no brilho refulgente deste próprio pesar
– dependurado no lábio superior da depressão,
tal a febre pintada em recuo da mentira sem a dor,
sem a chance do remorso.
E quando fosse apenas sim ou não,
e agora se tornasse demasiado cedo,
convidavas-me para ver a Lua, mais uma vez,
sob a cintilação azul da inquietude.

Somos a margem à mercê da maré
e poeira diamantina.
O metal enferruja e afoga-se, Ilha de Homem.
Estamos cercados pelos próprios corpos.
Mas como?, se desde que nascemos até ao dia final,
na escuridão da noite mais escura
e até sob o brilho solar da cegueira,
dizias ser à luta sangrenta
que não se viram costas,
para chegares tão cansado de viver na linha da frente,
mesmo sendo um príncipe e uma sombra.
Cada momento deixa-nos mais próximos de dizermos adeus para sempre.
És o inimigo de ti, o inimigo que tragicamente trazes contigo,
porque não existe tal coisa como nada.
Sim, não há tal coisa como coisa nenhuma,
mas tens o dedo no gatilho e prometeste desligar o mundo.
Durmo há duas noites sobre a almofada dos teus ossos.
Há duas noites sobre a almofada dos teus ossos.

E tu olhas para mim
em pose de Cristo,
pecaminosa emulação
de braços estendidos,
como se te carregasses sempre
— o maior fardo.
Injurias de liberdade o escravo
que nunca quis ser salvo
e renegas a alma luminosa
que em ti viram
e que tu crês fingir.
Foste sábio, ferida, máscara,
pilar de fumo, braços abertos e coração de platina;
entulho espalhado na berma da estrada,
segredo velado e revelado em ira.
És livre, nada te aprisiona, nem tu próprio.
Mas aí te prostras à imagem de Cristo,
e assim previste a desaparição no breu,
o tresmalho atrás das cortinas.
Não tinhas onde esconder-te
do paraíso e do carnaval de almas,
da doce euforia, coração fora do peito.
Perdida a graça, deslumbramento desfeito,
mil bocejos esboçados de um amor esquecido,
e os olhos de éter, vagos e cegos, ausentes, como a vontade.
Mas como?, se até sob o brilho solar da cegueira
dizias ser à luta sangrenta
que não se viram costas,
para chegares tão cansado de viver na linha da frente,
mesmo sendo um príncipe e uma sombra.
Tinhas o dedo no gatilho, prometeste desligar o mundo
e eu dormi por duas noites sobre a almofada dos teus ossos.

O que querias ver claramente cegou-te;
o que mais querias possuir aprisionou-te,
mesmo sabendo não poder deter
algo que se pretende ver voar.
Sob disfarce, como se ninguém soubesse,
mais cantavas sublimemente
e menos se imaginava
que esses olhos secos
vidravam a verdade crua,
feia, que as vozes te segredavam
e que nas palavras puseste
sem que alguém as soubesse ler
e escutar para te salvar ou odiar.
Amado, não te compreendias,
como se por te amarem
te tornassem devedor
e incapaz de retribuir.
Desmereceste-te.
O espelho repudiava a tua imagem
e os outros não inquiriam o sorriso pintado
através do qual te escondias
e crias forjar as emoções.
Foste o inimigo de ti, o inimigo que tragicamente trazias contigo.
Porque não existe tal coisa como nada.
Só a exaustão que te adormecia.

Que te seguissem quando nada liderasses,
quando te perdesses e fosses apenas inseguro,
frágil e puro, inerme, amado incondicionalmente.
Porque não existe tal coisa como coisa nenhuma.
Como dantes, dormes sob um lençol de lua cheia,
sete penas na cabeça e sonhos a pairar sobre a cama,
perdidos atrás de palavras que nunca encontrarás.
E as estações seguem-se umas às outras.
Tinhas o dedo no gatilho, prometeste desligar o mundo
e eu dormi por duas noites sobre a almofada dos teus ossos.

Poema escrito em memória de Chris Cornell, iniciado a 19 de Maio de 2017 e concluído a 17 de Junho de 2018. As duas noites referidas no poema reportam-se à insónia de 48 horas após a notícia da sua morte.

Etiquetas: ,

Sobre a Almofada dos Teus Ossos (parte 3)

O que querias ver claramente cegou-te;
o que mais querias possuir aprisionou-te,
mesmo sabendo não poder deter
algo que se pretende ver voar.
Sob disfarce, como se ninguém soubesse,
mais cantavas sublimemente
e menos se imaginava
que esses olhos secos
vidravam a tua verdade crua,
feia, que as vozes te segredavam
e que nas palavras expuseste
sem que alguém verdadeiramente as lesse
e escutasse para te salvar ou odiar.
Amado, não te compreendias,
como se por te amarem
te tornassem devedor
e incapaz de retribuir.
Desmereceste-te.
O espelho repudiava a tua imagem
e os outros não inquiriam o sorriso pintado
através do qual te escondias
e crias forjar as emoções.
És o inimigo de ti, o inimigo que tragicamente trazes contigo.
Porque não existe tal coisa como nada.
Só a exaustão que te adormecia.
Que te seguissem quando nada liderasses,
quando te perdesses e fosses apenas inseguro,
frágil e puro, inerme, amado incondicionalmente.
Porque não existe tal coisa como coisa nenhuma.
Como dantes, dormes sob um lençol de lua cheia,
sete penas na cabeça e sonhos a pairar sobre a cama,
perdidos atrás de palavras que nunca encontrarás,
e as estações seguem-se umas às outras.
Tinhas o dedo no gatilho. Prometeste desligar o mundo.
Dormi por duas noites sobre a almofada dos teus ossos.

Poema (terceira parte) concluído na madrugada do dia 17 de Junho de 2018 pela morte de Chris Cornell (Seattle, 20 de Julho de 1964 - Detroit, 17 de Maio de 2017) 



Etiquetas: ,

quinta-feira, junho 07, 2018

Pelo Zé Pedro e pelos Xutos

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Sobre a Almofada dos Teus Ossos (parte 2)

E tu olhas para mim
em pose de Cristo,
pecaminosa emulação
de braços estendidos,
como se te carregasses sempre
- o maior fardo.
Injurias de liberdade o escravo
que nunca quis ser salvo
e renegas a alma luminosa
que em ti viram
e que tu crês fingir.
Foste sábio, ferida, máscara,
pilar de fumo, braços abertos e coração de platina;
entulho espalhado na berma da estrada,
segredo velado e revelado em ira.
És livre; nada te aprisiona, nem tu próprio.
E, no entanto, aí te prostras à imagem de Cristo,
e assim previste a desaparição no breu,
o tresmalho atrás das cortinas.
Não tinhas onde esconder-te
do paraíso e do carnaval de almas,
da doce euforia - coração fora do peito;
da graça perdida - deslumbramento desfeito.
Mil bocejos de um amor esquecido, desolado desejo,
e os olhos de éter, vagos e cegos, ausentes, como a vontade.
Mas como?, se até sob o brilho solar da cegueira
dizias ser à luta sangrenta
que não se viram costas,
para chegares tão cansado de viver na linha da frente,
mesmo sendo um príncipe e uma sombra.
Tinhas o dedo no gatilho, prometeste desligar o mundo 
e eu dormi por duas noites sobre a almofada dos teus ossos.


Poema (segunda parte) escrito no dia 4 de Fevereiro de 2018 pela morte de Chris Cornell (Seattle, 20 de Julho de 1964 - Detroit, 17 de Maio de 2017)

Etiquetas: ,

quinta-feira, novembro 30, 2017

Para Sempre

Um ídolo pela aura; um amigo pela humildade, pela bondade, pela simplicidade e por tudo o que me deu sem saber. Parcas palavras para mistificar a morte de um ícone da cultura portuguesa. Da cultura que, desde menino, apreciei e até mimetizei. 
Cantei, na escola primária, perante pais e alunos, os Xutos. Na escola secundária fiz uma banda que os tinha como referência. Mais tarde fui à televisão com a banda da minha vida e tocámos... Xutos. É possível que a canção que mais vezes tocámos tenha sido a "Casinha". 
Entrevistei-o várias vezes como jornalista. Vi, em preview, ao seu lado, cadeira com cadeira, o documentário "Twenty", dos Pearl Jam, no cinema Alvalade XXI. Trocámos ideias, gostos e alguns momentos. 
Não me recordo de tudo, mas lembro-me perfeitamente da primeira vez que o conheci pessoalmente, era eu ainda adolescente, numa semana de sete dias em que vi os Xutos tocar quatro ou cinco vezes. O Zé estava na loja de conveniência da minha rua, em Lisboa, onde eu ia comprar tabaco. Enchi-me de coragem e cumprimentei-o. Ele estava acompanhado. Quando, depois de dizer-lhe que o concerto da noite anterior tinha sido óptimo, o ia deixar, foi o companheiro dele que disse conhecer-me, que tinha sido porteiro de um bar onde os Baby Jane haviam tocado umas semanas antes - e a conversa recomeçou. 
Eu tinha uma banda e o Zé Pedro interessou-se; disponibilizou-se para ouvir uma maqueta que nunca lhe fiz chegar. Não lhe pedi nada. Era o Zé Pedro, o nosso Zé Pedro. O Zé Pedro de Portugal. 
Os Xutos foram a banda que mais vezes vi tocar na vida. Não quero exprimi-lo, mas creio ser seguro dizer que os Xutos também findaram hoje, se bem que nem Xutos nem Zé Pedro expirem, apesar da vida e da morte. 

Etiquetas: , , , , ,

domingo, outubro 08, 2017

Sonic Musketeers

Não é uma corrente. Apeteceu-me partilhar isto por ter-se afigurado demasiado óbvio, certeiro e decisivo na minha cabeça e no meu espírito. Quase premente. Os três discos da minha vida: "White Album" (The Beatles), "Só" (Jorge Palma) e "Ten" (Pearl Jam).

Etiquetas: , , , ,

sábado, setembro 09, 2017

Maria do Rosário de Almeida Pereira de Brito Simões (Rosarinho). 19h08, 9 de Setembro de 2017

sábado, maio 20, 2017

Sobre a Almofada dos Teus Ossos (parte 1)

Viste os anjos cair de alturas vertiginosas
E tu, como eles, sabias ser tão mais humano do que divino
- o próximo, tarde ou cedo.
De cada vez que olhas para o Sol
Procuras a razão de ser e, perfurante,
A visão, cega, queima a luz e tudo em redor,
Deixando-te caído numa Lua bêbeda e entorpecida,
Imprópria dos imortais.
Vamos, criança lunar que estás tão longe esta noite.
A porta já foi arrombada de par em par.
Como foi que tu te fizeste brisa volátil mas selvagem,
Flor de prata tão distante e capaz de florir a qualquer instante,
Em qualquer parte?
Crepúsculo e sombra, és o passageiro, a visão e a cicatriz,
As brasas do teu mistério, que afagam a incredulidade
no brilho refulgente deste próprio pesar
- dependurado no lábio superior da depressão,
Tal a febre pintada em recuo da mentira sem a dor,
Sem a chance do remorso.
E quando fosse apenas sim ou não,
E agora se tornasse demasiado cedo,
Convidavas-me para ver a Lua, mais uma vez,
Sob a cintilação azul dos mistérios ansiosos da inquietude.
Todo o coração deveria ter batida;
Toda a noite se embalaria no sonho;
Todo o rei deveria ter rainha
E todo o santo deveria ter pecado.
Somos a margem à mercê da maré
E poeira diamantina.
O metal enferruja e afoga-se, Ilha de Homem.
Estamos cercados por nós próprios.
Mas como?, se desde que nascemos até ao dia final,
Na escuridão da noite mais escura
E até sob o brilho solar da cegueira,
Dizias ser à luta sangrenta
Que não se viram costas,
Para chegares tão cansado de viver na linha da frente,
Mesmo sendo um príncipe e uma sombra.
Cada momento deixa-nos mais próximos de dizermos adeus para sempre.
És o inimigo de ti, o inimigo que tragicamente trazes contigo.
Porque não existe tal coisa como nada.
Sim, não há tal coisa como coisa nenhuma.
Mas tens o dedo no gatilho e prometeste desligar o mundo.
Durmo há duas noites sobre a almofada dos teus ossos.
Há duas noites sobre a almofada dos teus ossos.

Poema (primeira parte) escrito dois dias após a morte de Chris Cornell (Seattle, 20 de Julho de 1964 - Detroit, 17 de Maio de 2017), a quem dedico Amor.  

Etiquetas: ,

sábado, agosto 06, 2016

Demasiado para o exprimir por palavras minhas

sexta-feira, abril 08, 2016

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Para onde Foi a Segunda-Feira?

Não é de olhos felinos que se faz o teu poema,
nem de banalidades misóginas,
obviamente camaleónicas.
Ascende, por fim, uma estrela negra de morte
quando, no centro de tudo, refulge o brilho
de uma vela solitária, incidente
sobre as pálpebras da incógnita.
Quantas vezes caíram anjos desajeitados,
entorpecidos a sedativos…
Algo sucedeu no dia em que morreste
- um espírito elevou-se um metro e pôs-se de parte;
alguém lhe tomou o lugar e chorou com bravura.
“Mas eu amo-te”, disse a faca à ferida.
Querias ainda águias reais em sonhos diurnos,
diamantes nos teus olhos,
e na vila de Ormen acende-se uma vela solitária.
Avisaste as cicatrizes e o drama,
disseste ao mundo estar em perigo,
sabias nada ter a perder,
e todos te conhecem agora
nu e livre – pássaro azul despojado.
Telúrico, lúgubre e desditoso,
adereças por fim as amantes em Nadsat e calão,
e olhas para a maravilhosa boca vermelha
dessa pega que não te viu sequer por trás do dinheiro.
Parecias desiludido agora.
Para onde foi a segunda-feira?

Poema escrito na manhã de dia 11 de Janeiro de 2016, à notícia da morte de David Bowie, no decorrer da primeira audição completa do seu último disco, "Blackstar", editado dias antes.

Dedicado a David Bowie
(8 de Janeiro de 1947 - 10 de Janeiro de 2016)

Etiquetas: ,