sexta-feira, novembro 04, 2005

O Regresso

Cheguei há pouco de Sevilha, a tal viagem que, há cinco dias atrás, me deixava o coração apertado na iminência de não estar com o Fidji e com a minha mãe no momento do adeus corpóreo definitivo ao - volto a dizê-lo assim - meu Irmão. Na ida, logo depois de ter entregue o corpo no canil, reflecti o sucedido. A viagem revelou-se frutífera e libertadora, e o Fidji parece até na morte ter sido condescendente com o sofrimento dos donos. Amenizou-lhes a despedida. Durante a noite, enquanto dormia, deixou-se levar e libertou-se, desobstruiu-se daquele corpo que o encerrava e oprimia. Interiorizei, em andamento, já em Espanha, a abnegação e o altruísmo do meu Irmão. Exalto a dignidade dele, «um mero animal irracional» - pensarão eventualmente alguns, que se julgam espécimes de uma casta superior de seres, cuja fagulha da vida lhes é inoculada por dons de magia divina de um Deus que discrimina todas as suas outras criações vivas, em detrimento da qualidade da mais perfeita e amada: o Homem! Volto a agradecer a todos os que decidiram deixar uma mensagem comovente de carinho, amizade e comoção partilhada. Por ter relações fortes e pessoalizadas com alguns dos autores dos comentários, não individualizarei e envio abraços a todos, do fundo do coração. Cada um de vós homenageou e honrou o momento, e deram-me um sorriso enternecido.

Bem, adiante, Sevilha foi um caso de sucesso. Fiquei numa hostal baratinha mesmo no centro histórico, por entre ruelas tortuosas e estreitas com muitas centenas de séculos e cores garridas. Podiam ler-se com frequência, nas fachadas de prédios andaluzes de cara lavada e com pormenores de beleza detalhada, placas alusivas à origem espacial da inspiração luminosa que trovejou sobre Cervantes nas ruas e plazas de Sevilha antiga, e que este desaguou em enredos de genialidade hispanófona vertidos para o papel. A Giralda, antigo minarete da Mesquita Maior, actual campanário da monumental Catedral cristã, estava ali mesmo ao lado da hostal, que, por sinal, se chamava «Buen Dormir (Good Sleep)». E a designação que a casa apresentava no humilde néon branco rectangular à entrada e nos indispensáveis cartões de visita era exactamente como reproduzida dentro de aspas e parêntesis. Mas a Giralda não foi o que mais me impressionou. A entrada na Catedral é assombrosa, espantosa, de cortar o fôlego. Dentro do templo, que é monumental, jaz Cristóvão Colombo, de quem José Rodrigues dos Santos vem agora, com o seu livro Codex 632, dizer ser afinal português e não Genovês; ou melhor: que havia dois Colombos - um português e um medíocre mercador genovês. O português era o verdadeiro herói e, até, eventual espião ao serviço da coroa portuguesa. Quanto a isso não sei, já não me lembro. Era muito novo nessa altura. Resumindo, parece que a Catedral é o maior templo gótico do mundo e terceiro templo cristão. Recordo-me de ouvir isto quando me abeirei clandestinamente de um grupo que escutava uma guia portuguesa com ar de professora universitária a curtir uns tempos em Sevilha. Para terminar mesmo, que muito haveria para contar, Sevilha recomenda-se mas os restaurantes são uma miséria. Preços altos e comida má. Tapas não tapam sequer buraquinhos de fome. A história é riquíssima e fascinante. A fusão cultural é impressionante e única. O trânsito é caótico e os espanhóis - como diria Obelix - são mesmo loucos - especialmente a conduzir. Ultrapassagens inesperadas em aceleração pela direita são prato do dia como calamares. Em dia de Champions, os adeptos do Chelsea que se juntaram por trás da Catedral, no pub inglês, remetiam, com os seus cânticos, para uma atmosfera medieval de pré-batalha. O Bétis derrotou, finalmente, em Sevilha, a invencível armada de Mourinho. Vi também, numa bodega, o meu Benfica perder sem merecer o jogo contra os também espanhóis do Villareal. Vi, portanto, o Nereu "Mãozinhas de Manteiga" tabelar com jeitinho a bola para dentro da baliza. Também é verdade que deixaram o Senna (é assim, acho) completamente solto e livre de pressão para fazer o que fez, e o "Mãozinhas de Manteiga", por sua vez, feito "pato sentado". Mas tudo bem. A viagem foi muito boa, graças, essencialmente, à companhia da minha parceira, amiga e namorada.

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10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

sê bem vindo mano velho...
para quando um copo juntos?
Abração...

sexta-feira, novembro 04, 2005 12:56:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Esqueci-me de assinar... RP! Tu sabes quem sou...

sexta-feira, novembro 04, 2005 12:56:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Oi caro amigo,
Concordo com o RP, que também sei quem é, quando vamos todos tomar um copito??
Bem, com um roteiro desses e tão detalhado, até fico com inveja de não conhecer Sevilha :)

Fica bem...
Beijos

sexta-feira, novembro 04, 2005 2:22:00 da tarde  
Blogger Davi Reis said...

Roberto: Tu est toujours bienvenue.

Mano Pinto: Já tinha uma enorme dedicatória escrita para ti que se apagou... coisas da informática. Mas como falei há pouco contigo ao telemóvel e me mandaste, entretanto, a foto do Sebastião, fica apenas aquele abraço eterno à família Pinto. Até porque, em breve, teremos oportunidades para pôr conversa e música em dia! Deves imaginar as saudades que tenho...

Carla: Obrigado pela tua mensagem de outro dia e por seres uma das leitoras e amigas que mantêm o Caderno de Corda em combustão. O copito, já sabes: Bairro Alto. Estou por cá. Beijinho.

sexta-feira, novembro 04, 2005 11:02:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

My man "Gugu" (em honra a Henrique Amaral):
Devo dizer-te que tocaste lá onde era preciso... :)
Sabes que para mim és "o escritor".
O abraço
Post Scriptum: tenho pena de não ter conseguido comprar o jornal onde vinha o Tarzan da Caparica!
Ass: Johnny

sexta-feira, novembro 11, 2005 10:36:00 da manhã  
Blogger Davi Reis said...

Johnny, sempre do coração! Semper fi. Aquele abraço!

sábado, novembro 12, 2005 12:28:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

I say briefly: Best! Useful information. Good job guys.
»

quinta-feira, junho 08, 2006 9:55:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Ola,
Gostei dos seus textos... Sou francesa, vivo em protugal e
Vou descobrir sevilha em agosto. Pode me dar o nome do hotel onde ficou? o que me aconselha?

Obrigada
Francoise

domingo, julho 16, 2006 12:21:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

boui

domingo, julho 16, 2006 12:23:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Really amazing! Useful information. All the best.
»

sábado, julho 22, 2006 6:27:00 da tarde  

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