segunda-feira, maio 01, 2023

Professor Luís Carmelo (1954-2023)

Soube agora, combalido pela violência da notícia inesperada, do falecimento do profícuo e genial Luís Carmelo (1954-2023), meu eterno professor de Escrita Criativa e mentor da Semiótica que me foi possível. Foi por influência e sugestão dele que criei o Caderno de Corda, em 2005, na plataforma Blogspot, onde pouco antes, no dealbar da blogosfera, havíamos mantido um blogue criado no âmbito da sua cadeira para conduzirmos a análise e a avaliação dos textos discutidos e criados em contexto de sala de aula. Foi com ele que pela primeira vez, há mais de 20 anos, escrevi para o ciberespaço… 
O professor, escritor e intelectual Luís Carmelo foi um dos homens que, cedo, me fez crer sem reservas que também eu podia ensaiar obra literária. Atribuiu-me a melhor nota na cadeira de Escrita Criativa, ajudou-me a navegar pelas águas tortuosas da semiologia, convidou-me para introduzir a sua cadeira na primeira aula que leccionou no ano seguinte àquele de que desfrutámos juntos. Deu-me a mão e acreditou em mim. Não podemos esquecer quem em nós creu e nos deu a mão.
Há demasiado tempo que não falávamos. Na verdade, guardava o telefonema para oportunamente lhe pedir conselhos quando terminasse o livro que, também há demasiado tempo, ando a escrever… Não o quis importunar. Talvez tenhamos estado juntos pela última vez na presença de Joaquim Letria e Urbano Tavares Rodrigues, na recepção da Universidade Autónoma de Lisboa, no pólo da Boavista. Foi um raro privilégio ter podido aprender com tão excepcional académico, mas também pensador e intelectual deambulante, visionário, romancista, poeta e leitor ebuliente.
A escrita do Professor Luís Carmelo é muitas vezes intrincada, de leitura morosa, aplicada; muitas vezes melodiosa e rica, poética, deslizante numa “lagoa invisível”. Os seus textos são quase sempre dotados de complexidades multidimensionais que nos põem em bicos dos pés, espreitando para lá da cerca de texto, subtexto; significado, significante. Como li algures há pouco, numa nota póstuma de alguém que, como eu, se manifestou em memória de Luís Carmelo, nos próximos cem anos estaremos a decifrar os sentidos dos seus sentidos, e sabe quem com ele aprendeu que se deve escrever com os cinco sentidos. Mas Luís Carmelo tinha mais e escrevia mais ainda. Mais do que sempre me pareceu ser humanamente possível. Li também por aí que, nos últimos dois meses, publicou três livros.
Que o devir do seu longo futuro ecluda já e atenue o sentido da sua perda. Obrigado, Professor.

Bibliografia:

• Entre o Eco do Espelho (1986, Peregrinação, Baden-Lisboa; tradução inglesa parcial, Revista New Wave, 20, Universidade do Colorado, Boulder, USA);
• Cortejo do Litoral Esquecido (1988, Vega, Lisboa);
• No princípio era Veneza (1990, Vega; 2ª edição, 1997, Vega, Lisboa);
• Sempre Noiva (1996, Vega, Lisboa);
• A Falha (1998, Editorial Notícias, Lisboa; 2ª edição, 2001, Planeta Agostini, Lisboa; 3ª edição, Editorial Notícias, Lisboa; tradução espanhola, La Grieta, 2002, Hiru Argitaletxea, Hondarribia, Espanha; romance adaptado ao cinema por João Mário Grilo em 2002);
• As Saudades do Mundo (1999, Editorial Notícias, Lisboa);
• O Trevo de Abel (2001, Editorial Notícias, Lisboa);
• Máscaras de Amesterdão (2002, Editorial Notícias, Lisboa);
• O Inventor de Lágrimas (2004, Editorial Notícias, Lisboa);
• E Deus Pegou-me pela Cintura (2007, Editora Guerra e Paz, Lisboa);
• A Dobra do Crioulinho (2013, Quidnovi, Lisboa/ 2022, Jaguatirica, Rio de Janeiro);
• Gnaisse (2015, Abysmo, Lisboa; 2017, Editora Jaguatirica, Rio de Janeiro; Ediciones Uniandes, Bogotá, 2022);
• Por Mão Própria (2016, Abysmo, Lisboa; Ediciones Uniandes, Bogotá, 2022);
• Sísifo (2017, Abysmo, Lisboa; Ediciones Uniandes, Bogotá, 2022);
• Cálice (2020, Abysmo, Lisboa. Romance finalista do prémio PEN/2021);
• Visão Aproximada (2022, Abysmo, Lisboa);
• Trílogia de Sísifo (2023, Ediciones Uniandes, Bogotá).

Ensaios:

• A Tetralogia Lusitana de Almeida Faria (1989, Universidade de Utreque, Holanda; Prémio da Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores, 1988);
• La Représentation du Réel dans des Textes Prophétiques (1995 - Tese de Doutoramento -, Universidade de Utreque, Holanda);
• Sob o Rosto da Europa (1996, Pendor, Évora-Lisboa; 2ª edição e tradução inglesa, Ontology Of The South, Sul, Edição dos Encontros de fotografia de Coimbra, 1996);
• Anjos e Meteoros. Ensaio Sobre a Instantaneidade (1999, Editorial Notícias, Lisboa);
• Os jardins da Voyance - tradução inglesa, The Gardens of vision and the bright Ofélias of the Douro (álbum-encomenda Os Jardins de Cristal, edição da Porto-2001 e Roterdão-2001, com o fotógrafo José M. Rodrigues);
• Islão e Mundo Cristão (2001, Editora Hugin, Lisboa);
• Água de Prata (sobre a obra do Prémio Pessoa, José M. Rodrigues; 2002, Casa do Sul, Évora);
• Músicas da Consciência (com prefácio de António Damásio; 2002, Publicações Europa-América, Mem Martins);
• Órbitas da Modernidade (2003, Editorial Mareantes, Lisboa);
• Semiótica - Uma Introdução (2003, Publicações Europa-América, Mem Martins);
• Viragem Profética Contemporânea (2005, Publicações Europa-América, Mem Martins);
• A Comunicação na Rede: o Caso dos Blogues (2008, Magna Editora, Lisboa);
• A luz da intensidade. Figuração e estesia na literatura contemporânea. O caso de José Luís Peixoto (2012, Quetzal, Lisboa);
• Genealogias da Cultura (2013, Arranha Céus, Lisboa);
• Uma Infinita Voz Sobre Exercícios de Humano de Paulo José Miranda (2016, Abysmo, Lisboa);
• Ficcionalidades de Prata (2019, Nova Mymosa, Lisboa);
• Respiração Pensada (2022, Abysmo, Lisboa);
• A Grande Imersão. Pensar o Amor. Pensar a Intimidade (2023, Exclamação, Porto);
• Ourique. O Mito e o Legado das Fake News (2023, Tempus Art, Porto);
• O Encoberto e o Sorriso dos Mitos (2023, Tempus Art, Porto).

Poesia:

• Fio de Prumo (1981, Terramar, Torres Vedras);
• Vão Interior do Rio (1982, Amesterdão, Atelier 18);
• Ângulo Raso (1983, Amesterdão, Atelier 18);
• Mymosidades (2015, Nova Mymosa, Lisboa);
• As Mialgias de Agosto (2015, Nova Mymosa, Lisboa);
• Extintor de Achados (2017, Lisboa, Douda Correria);
• Tratado (2018, Lisboa, Abysmo. Obra Finalista do Prémio Casino da Póvoa/ Correntes d'Escritas 2019);
• Ofertório (2018, Nova Mymosa, Lisboa);
• Anatomia (2019, Nova Mymosa, Lisboa);
• O Pássaro Transparente (2019, Nova Mymosa, Lisboa);
• Lucílio (2022, Nova Mymosa, Lisboa);
• Biografia do Mundo (2022, Abysmo, Lisboa);
• El Asombro Irrealizado (Antologia; 2023, Textofilia, Ciudad de México).

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