O Teu Tempo É Quando
"The Persistence of Memory", Salvador Dalí, 1931 |
Esquece-te do futuro!
Não adianta morrer.
A vida é uma ordem.
Aos ombros levas o mundo,
nos olhos guardas o mar
e nada esperas de ninguém.
A angústia define um tempo fundo
que tentas agrilhoar, deter
na pulsação de um poema.
Por que força, por que muro
podes o tempo suspender
em placidez suprema?
Nenhuma!, nenhum augúrio,
qualquer hipótese de prever
a negra sombra do dilema.
Tens mais passado que futuro
e sabes: o que estás a ser
é deixares de ser o que és.
Tiveste o mundo aos pés
quando nada tinhas
e todas as horas perdidas seriam ganhas
se na jarra da cozinha houvesse flores,
soubesses tu viver incauto,
alheio à voracidade do tempo.
Por que fica tarde tão cedo?
A noite é demasiado curta
se o tempo é para sempre.
Mas o tempo não existe, é segredo
guardado à dócil força bruta
na gestação longa de um ventre.
O tempo faz o vinho azedo,
mas também cura e transfigura,
nada perde, tudo transforma.
Todo o tempo é tempo de fazer o certo,
seja o tempo invenção da morte.
Não basta ir sendo numa cama morna.
O tempo não fez do longe perto
nem nos repisa à sorte
sobre a face da bigorna.
Anda em silêncio a orar no deserto,
regedor do céu e do inferno,
sob crepúsculos de asas pacientes.
Implacável, o tempo é presente
e nem perdoa a quem, num átimo de poesia,
conheceu a eternidade inteira num só dia.
Se o tempo remédio fosse, nenhum mal existiria.
Guerra, fome, a discussão lá na cimeira,
provam apenas que a vida prossegue como sempre.
Os imberbes tomam os velhos por tolos;
os velhos sabem que os imberbes o são.
Tempo de depuração.
Já te esqueceste do futuro?
Não adianta morrer.
A vida é uma ordem,
não uma saudade fotografada.
De manhã anoiteces,
pastor da madrugada,
de dia tardas
e de noite ardes pela alvorada.
O teu tempo é quando.
Para tudo há um
momento,
e tempo para cada
coisa sob o céu:
tempo de nascer e
tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo de colher.
* A última estrofe, a itálico, traduz um excerto de "Turn! Turn! Turn!", dos Byrds, por sua vez uma canção original de Pete Seeger, cuja letra, excepto o título, repetido como refrão, e os dois versos finais, consiste na reprodução exacta dos primeiros oito versos do terceiro capítulo do livro bíblico de Eclesiastes.
Etiquetas: Arte, Chordian Poetry, Imagens e Afins, Poesia Cordiana
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