segunda-feira, setembro 15, 2025

Ode à Utopia

Ó Utopia maior, sagrada altura,
és guia na aurora fulgente.
Tornaram-te mito em caricatura,
mas és Norte, desígnio premente;
fundas o mundo em nova arquitectura,
ergues a nau da manhã insurgente,
traças no céu a rota futura,
vaga triunfal do Este ao poente.

Captcha, login, password e submissão,
servidor velado, servo e senhor.
Amada a prisão, doce alienação,
feed dá ao gado pasto, torpor.
No missal da wall, a hóstia: notificação.
A canção-arma, sem airplay nem tambor,
o cravo, souvenir de estação –
distopia em jingle, salmo opressor.

Sob cinzas lateja a brasa da cidade.
Da calçada brota a luta a florir.
Numa brisa de vielas arde a liberdade
e rasga-se o cós do mundo a parir,
coalescência de um povo-unidade.
Do caos mercurial um corpo em devir,
colossal e alquímica claridade,
dealbar de craveiros livres a fulgir.

Aurora insurrecta, chama acesa,
no punho um estandarte universal.
Sob pão repartido assenta a mesa;
sobre terra fecunda, chão comunal,
germina da raiva gentileza.
Política popular, desígnio global:
transmuta-se predador e presa –
Utopia é verbo sem ponto final

Ode moderna, de ressonância clássica, por Jeremias Cabrita da Silva
in "Poemas para um País por Fazer" (Edições Cravo & Ferradura, 2039)

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