Havia crianças radiantes de sorrisos abertos,
olhos brilhantes e sonhadores, despertos.
Impecavelmente alimentadas e vestidas,
corriam para a vida sem ideias preconcebidas.
Cresciam num mundo livre de ódio e racismo,
fome, desigualdade, desperdício e classismo
- palavras desconhecidas, caídas em desuso,
lembradas na História de tempos obusos.
Nada havia senão paz e harmonia,
auroras de Liberdade e alegria,
Liberdade de pensar e de saber,
Liberdade de viver e de morrer.
Nada havia senão contentamento
conformado com a inevitabilidade
da dor, da perda e do tempo,
da insaciabilidade do Amor e da Liberdade.
Havia alvoradas que rompiam em sinfonia
alinhando a Este a Lua e a estrela d’Alva
num prenúncio solar de infinita sabedoria
que ao dia erudia corpos e almas.
Havia Liberdade com responsabilidade.
Liberdade...
Liberdade de ficar e de partir,
Liberdade de falar e de ouvir,
Liberdade do corpo e da mente,
de um voto verdadeiro e consciente.
Havia Liberdade de trabalhar e de brincar,
Liberdade de ganhar e de perder,
Liberdade de escolher e rejeitar, de sonhar
o que ainda não existia em nenhum lugar.
Havia Liberdade de dar e de partilhar,
Liberdade da servidão e da libertação,
Liberdade de acreditar e de orar,
Liberdade de ser numa canção.
-*-
Acordei aturdido desse sonho lindo,
perguntando-me se conhece a Liberdade
quem por herança lhe viu o poder transmitido
ou quem da prisão se liberta com temeridade.
Aquele que reina de berço e vagueia livre
não vislumbra o êxtase da libertação
do que nasceu acorrentado e vive
asfixiado para cantar a tal canção.
Pudessem os mestres da guerra extrair
de escravos ignorantes o ar dos pulmões;
pudessem eles os seus sonhos destruir
com o fogo de bombas e canhões.
Escondidos atrás de exércitos e muros,
sentados a secretárias opulentas,
ei-los altivos em mansões faraónicas, seguros
e legitimados para todos os crimes e violências.
A impunidade é um incentivo vicioso
que perverte irremediavelmente.
O corrompido ainda cobra à morte o preço
do juro tirano das almas de tanta gente.
O rosto do executor é sempre oculto.
Põe armas nas mãos de crianças,
agita o mundo como a um saco de gatos,
atiça ódios e acalenta vãs esperanças,
inventa doenças; rentabiliza os fármacos.
O rosto do executor é sempre oculto.
A Liberdade não virá do gume do medo.
O opressor permanecerá um vulto
movendo-se nos bastidores em segredo.
Resta-nos andar na contramão,
viver de remar contra a maré,
escrever canções de redenção,
depositar no outro a nossa fé,
passar o amarelo, falar na sala de aula
e provar o gosto de ser livre numa jaula.
Livre do medo da anarquia do destino,
mão firme e fria como a morte ao leme,
cumprindo-me desimpedido e libertino,
desobediente e rebelde, mas solene,
empunho o cravo e o caderno do poeta
que acabou morto na sarjeta.
E um voraz apetite infantil me diz da vida
que a cura para os males da Liberdade
é mais Liberdade ainda.
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