Uivemos

Tenho os pés no chão do tecto;
a cabeça virada para o tecto do chão.
Sou um cientista invertido,
dos que já não sabem dividir.
As soluções são tão simples
que se afiguram impossíveis
sem trancas na porta.
Fazer aos outros
o que desejamos para nós
pode ser deboche.
E o hedonismo não é lá muito católico.

O silêncio é de Ouro...

É oficial: Paulo Freitas do Amaral toma, por 16 votos, a junta de freguesia da Cruz Quebrada e Dafundo

A vitória suada sobre os poderes instalados da IOMÁFIA em Oeiras é sublinhada pela entrada em cena de um jovem valor político que faz da perseverança e da capacidade de mobilização civil as suas maiores armas. O candidato estreante Paulo Freitas do Amaral, 31 anos, filho da freguesia, deu ao PS um resultado inesperado em terreno difícil. Veni, Vidi, Vici.

Cada Vez Que Escrevo

Há um mestiço segregado
e uma menina tocada
cada vez que escrevo.
Há um homem traído
e de um velho o último sorriso
cada vez que escrevo.
Há coisas que penso e não digo
- jamais alguma vez isso,
que escrito não escrevo,
porque há prédios caídos
e desertos traduzidos
em muralhas de medo,
e as máscaras de vidro
não servem um texto
que é sempre o mesmo
- o das meninas tocadas,
de assassinas apaixonadas
pela vítima mortal;
o de um templo de nada
onde tenho aguardado
a finitude do sol.
Eu, que vejo palavras na chuva;
eu que espero por ti no escuro
até que me fales;
eu que tudo dedico ao tempo,
esse que me falta,
que me foge,
que me mata
- o meu maior inimigo,
cada vez que escrevo.

Daqui

Talvez

Talvez o corpo cresça inversamente à inocência
Talvez os bichos nasçam da barriga de uma estrela
Talvez os homens creiam mais com fé que com ciência
Talvez o rabo seja que tome a forma da sela
Talvez os sonhos arpoem a felicidade
Talvez o ar já tenha preço
Talvez a semente seja multipétala alteridade
Talvez o fim seja um começo
Talvez o dia seja cobarde e a noite corajosa
Talvez a morte guarde mais segredos que a vida
Talvez também a lua seja mentirosa
Talvez a melhor poesia nunca tenha sido lida
Talvez eu devesse ter o dinheiro debaixo do colchão
Talvez tudo o que vive seja sagrado
Talvez o mal não esteja no Irão
Talvez tenha significante o significado
Talvez uns percam para que outros ganhem
Talvez haja em Chelas um coleccionador de nuvens
Talvez num avião não façamos a viagem
Talvez o vinho seja o sumo das uvas
Talvez seja melhor nunca que tarde
Talvez as palavras cheguem para dizer que não chegam
Talvez um círculo seja um quadrado redondo

Talvez XXIII

Talvez o vinho seja o sumo das uvas

Talvez XXII

Talvez num avião não façamos a Viagem

Talvez XXI

Talvez tenha significante o significado

Talvez XX

Talvez o mal não esteja no Irão

Talvez XIX

Talvez a melhor poesia nunca tenha sido lida

Ontem, à conversa com o predestinado Richard Bona

Foto de Alexandre Baptista