sexta-feira, agosto 05, 2022

Funcionalismo

Um funcionário apagado e triste,
escondido e envergonhado,
esperando que não lhe dirijam palavra,
planta uma árvore no canteiro da varanda,
debruçada sobre a Estrada Nacional,
onde a luz solar resta ardente no asfalto,
sabendo de antemão que não lhe cabe a fruição
nem do fruto nem da sombra.

Débito e crédito debitado;
toda uma vida de empregado,
operário pontual e exemplar
sem orgulho no cumprimento de um dever
e sem sombra nem fruto,
irremediavelmente cansado,
sem presente e sem futuro.

Como a natureza, trabalha
continuamente e em silêncio,
absorto e conformado,
canário mudo na gaiola,
alimentado a alpista,
no labor desditoso do desejo
único de esquecer-se quem é;
na lida de tudo o que é matemático
e geométrico, assíduo,
inquestionável, previsível,
sem canto nem engano,
sem desvio, prazer nem esperança.

Os músculos lassos e flácidos
sabem de cor o equilíbrio
dos movimentos repetidos,
sendo sua a substância da letargia
no enlace justo dos tendões,
nos dedos como malhos,
nas palmas tectónicas das mãos,
capazes de adormecer paisagens
privatizadas, nunca visitadas.
Pernas como tesouras
recortam sulcos febris
de infindáveis plantios e lavouras;
de trilhos e carreiras fabris,
arquitectando perenes destinos
nas paredes do tempo.

O funcionário recurva-se na secretária
mirando um memorando
como quem contempla a morte
anunciada de um conhecido.
Chegara a requisição de mobiliário de escritório
e o que restava lá fora era a dor da tarde
esperando o hálito moroso das folhas por nascer,
supondo a dúvida de saber
se se é incompletamente infeliz.

Foto DAQUI

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