terça-feira, maio 15, 2012

Cobardia

O silêncio engole tudo.
A ausência de gesto e de vontade é, em presença,
pior do que a própria ausência.
O abandono reflecte a morte viva
- a morte dos outros e nossa neles.
Estar pode ser um verbo feliz
apenas se colocado em perspectiva.
A memória do presente entedia o futuro;
é uma teia aspirada por um tubo.
Não há enganos:
os amores e os corpos findam.
Esquecer existindo não é opção.
Uns esquecem sem saber
e outros, sabendo-o, esquecem de sentir,
lembrando-o no entanto.
Em ambos os casos
há um rumor de morte anunciada
sem urgência.
Sem dádiva, a vida encontra-se
no erro das circunstâncias.
Aceitar o karma entrega-nos a um destino
que nada mais é do que cobardia.
A felicidade exige coragem.

Torel

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Cremilde de Almeida (1932-2012)

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sábado, maio 12, 2012

Agnus Dei

Ainda te levei a ver o mar
marginal das nossas vidas.
O teu corpo esteve nestes braços
inermes para te suster à tona.
Sentei-te antes de brincar com os teus dedos
e de abrir-te a janela
para que respirasses fundo.
A última maresia também não deve
encontrar em nós consolo.
Tinhas angústia nos olhos,
mas pazes feitas com a iniquidade.
Inerte e trémula;
a pele macia e manchada
por uma alergia à panaceia.
A impaciência de ser
torna-nos pacientes da vida.
Na inquietude de ter os pés quentes
esfregamos o corpo ao corpo
no lugar de estar só.
O desejo é infinito
que nos devora, avó.
Partiste ainda nem há dois dias.
A imagem bela, terna e doce
a que regressarei sempre
está na foto que te tirei na pastelaria.

À minha avó Cremilde de Almeida. 12 de Maio de 2012

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