sábado, fevereiro 03, 2024

Diz-me que Sim

"Ceiling Painting/Yes Painting", Yoko Ono, 1966











Amaste como o luar ao meio-dia.
Sorrindo na cara do desgosto,
fizeste da fealdade beleza,
reflectindo-nos obliquamente,
espelhos eivados,
transfigurados na intersecção radiante
de um inextinguível nexus luminoso
num riacho de mosto.

Como é que se diz, mãe,
que foste com a cabeça entre as minhas mãos vagas,
que te chamei e pedi para ficares
quando já não estavas?
Como se diz que te ia murmurando ao ouvido,
que te implorava para não ires,
e já tinhas ido?
Como se diz, mãe, que estiveste 45 minutos
de vestes rasgadas e peito desnudo,
e eu só te largava a espaços, sem toque,
para o desfibrilhador te acometer em espasmos
e nenhum de nós recuperar do choque?

Nasceste tão doce para acabar num corpo asfixiado,
magro e seminu, lábios arroxeados,
incapaz de responder à minha súplica,
no chão prostrada, ao lado da cama,
sem poesia nem música
- um corpo de nada, sem chama -,
já tu planavas livre, olhando-me de cima.

Emergiste grácil desse corpo, estou certo,
vaporosa como as cinzas, mas eu guardei-te perto,
germinada num vaso, cantada em verso.
Como água para azeite, regada a preceito,
a oliveira das minhas raízes pende do parapeito
para alcançar céu aberto.
E os anjos, suspirantes numa frágua de amor
devoto como eu a clamar o teu nome, mãe
- porque mãe é o teu nome de santa -,
olhavam-nos com o mesmo nó na garganta
que de então me aperta a laringe também.

Celestial e bendita, lirial,
silenciaste por fim mágoas e dores.
Ter-te-ás feito de todas as cores
e dos meus ais roseiral,
que te sei alígera e ágil,
ainda que levasses daqui
todas as partes de mim
que sem ti nem eu sei.

Quando nasci o mundo eras tu,
a tua palavra era lei.
E agora, mãe?
A que mundo me dei?
Podes dizer que me vês?,
que ainda sou o menino dos três
que adormeceu nos teus olhos
de ternura sem fim?
Ainda oiço a tua voz:
“… O teu berço adornei
e o pus junto a mim…”
Diz-me que sim.

10 de Junho de 2021, Santarém. Foto: Ricardo Pinto

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segunda-feira, março 20, 2023

Três anos

O meu pai, Orlando de Brito Simões, aos 18 anos

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segunda-feira, setembro 12, 2022

Dois anos

domingo, março 20, 2022

Dois anos

domingo, setembro 12, 2021

Um ano

sábado, março 20, 2021

Um ano

segunda-feira, outubro 12, 2020

Um mês

sábado, setembro 19, 2020

Mãe

Completa-se hoje uma semana que a minha mãe partiu, ainda não seriam sete da manhã de dia 12 de Setembro. A minha mãe está viva em mim. Ela é eu e eu sou ela, como sempre fomos, indissociáveis. Se sou Amor, carinho, ternura e compaixão, sou ela. 
Marco a passagem desta semana sem adjectivos ou qualificativos, mas com uma canção que escrevi, compus, toquei, cantei e gravei chamada "Mãe", publicada no dia 5 de Maio de 2013 (dia da Mãe) no Caderno de Corda. A canção contou com a colaboração do meu querido amigo Sebastiano Ferranti, que tocou bateria, gravou, misturou e masterizou no seu estúdio caseiro. O baixo e as guitarras foram gravados por mim, em minha casa, num modesto gravador de quatro pistas. 
Apesar destes e de outros factos, esta não é uma canção de dia da mãe e muito menos um tema de alegre exaltação à progenitora ou a uma qualquer efeméride que daí decorra. Em boa verdade, é uma canção que, perante medos, desesperanças, sofrimentos e solidões, clama pela mãe - a mãe de todas as mães, porventura o Eterno Feminino. 
"Eterno Feminino" terão sido as últimas pa­lavras de Goethe, no segundo Fausto, para designar a atracção que guia o desejo transcendente do homem. Curioso que eu tenha utilizado, na letra, ideias e palavras de Fausto (o Bordalo Dias), mas também de Jorge Palma e, muito especialmente, de José Mário Branco. Na ideia referida de Goethe, o feminino representa o desejo sublimado, o que é proclamado por um coro místico: "O Eterno Feminino atrai-nos para o Alto." 
Em muitas cogitações filosóficas, antropológicas ou místicas, a mulher está mais li­gada do que o homem à alma do mundo, às primeiras forças elementares, e é através dela que o homem comunga dessas forças, encontrando no Amor a grande força cósmica. 
A Virgem-Mãe, Nossa Senhora, é uma encarnação evidente do tema. O Feminino autên­tico e puro é, por excelência, uma energia luminosa e casta, portadora de coragem, de ideal e de bondade a que recorremos em oração e, amiúde, em desespero de causa, clamando pela mãe. Por vezes, escrevem-se canções com esse fito... 
Para Jung, o feminino personifica as tendências psicológicas femininas na psique do homem, como, por exemplo, senti­mentos e humores instáveis, intuições proféticas, sensibilidade face ao irracional, capacidade de amar, a faculdade de sentir a natureza e, finalmente, as relações com o inconsciente.
Se foi nisto que o Jorge Palma pensou quando escreveu, por exemplo, o refrão da "Canção de Lisboa", ou o Fausto, quando redigiu o poema da canção "Ó Mar", que obviamente inspira a segunda e a terceira estrofes, não faço ideia, mas certo é que o José Mário Branco tocou a ferida universal quando descambou num pranto doloroso à mãe já na parte final da épica canção "FMI", à qual roubei palavras que adaptei para a última estrofe e último refrão da minha canção "Mãe".


* Mãe - letra *

Meto à boca o pão
seco, duro como pedra, amor
que não me deste a...
beber do teu suor
o sal da vida salga
a ferida eterna e universal
Sou mais do que animal,
mais que a fera parida
- Mãe -

O que o tempo esqueceu
leva que hei-de voltar ao mar
profundo de um sono meu
Eu sou como quem vem
desamparado pra regressar
ao fundo ventre da mãe
Sou mais do que animal,
mais que a fera parida

- Mãe -

Sou algo que é só meu,
faço comigo o que quiser
Desde que haja amor?
- Amor não dá de comer
Não posso desnascer,
ir embora sem ter de ir embora,
sou deste tempo,
entre fugir de me encontrar
e me encontrar fugindo

- Mãe -

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segunda-feira, setembro 14, 2020

Maria Teresa dos Santos Cabrita de Almeida de Brito Simões (11/07/1953 - 12/09/2020)

A minha mãe, Maria Teresa dos Santos Cabrita de Almeida de Brito Simões, faleceu por volta das sete horas da manhã de dia 12, sábado, aos 67 anos. A cerimónia de cremação decorrerá amanhã na Capela do Cemitério de Almeirim, pelas 10h30, e a cremação será às 11h30.

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segunda-feira, março 23, 2020

A canção do meu Pai

Compus e gravei esta canção para o meu pai quando era seu cuidador. O "Naninho" (como eu lhe chamava nestes últimos anos) acompanhou todo o processo, em casa comigo, ao longo de largas horas de prática e gravação, especialmente durante a noite. Apesar da demência, entoou a canção, bateu o pé e meneou a cabeça quando a masterizei e lha mostrei nos phones. Hoje, que o meu pai chegou à sua morada definitiva, divulgo pela segunda vez a canção que fiz só para ele em 2014. Devo ainda mencionar a colaboração do meu querido e velho amigo Nuno 'Dino' Rodrigues, que me recebeu em sua casa, no seu estúdio caseiro, para gravarmos o coro.

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sexta-feira, março 20, 2020

Orlando de Brito Simões (20/10/1952 - 20/03/2020)


O meu pai, Orlando de Brito Simões, faleceu esta madrugada com 67 anos. Há cerca de duas semanas esteve internado no Hospital de Santarém, donde teve alta ao final de três dias com diagnóstico de infecção respiratória aguda. Não foi testado para despiste de Covid-19. A médica que o assistiu foi entretanto testada positivamente. Não haverá velório. O funeral terá lugar no Cemitério de Santarém, segunda-feira, pelas 9h30. Apenas poderão comparecer até 20 pessoas.

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domingo, setembro 09, 2018

Convite do primeiro aniversário da Rosarinho (9 de Outubro de 2018)

sábado, setembro 09, 2017

Maria do Rosário de Almeida Pereira de Brito Simões (Rosarinho). 19h08, 9 de Setembro de 2017

sábado, agosto 06, 2016

Demasiado para o exprimir por palavras minhas

sábado, setembro 19, 2015

A força de mil homens. E todos os sonhos do mundo.

terça-feira, maio 15, 2012

Cremilde de Almeida (1932-2012)

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sábado, maio 12, 2012

Agnus Dei

Ainda te levei a ver o mar
marginal das nossas vidas.
O teu corpo esteve nestes braços
inermes para te suster à tona.
Sentei-te antes de brincar com os teus dedos
e de abrir-te a janela
para que respirasses fundo.
A última maresia também não deve
encontrar em nós consolo.
Tinhas angústia nos olhos,
mas pazes feitas com a iniquidade.
Inerte e trémula;
a pele macia e manchada
por uma alergia à panaceia.
A impaciência de ser
torna-nos pacientes da vida.
Na inquietude de ter os pés quentes
esfregamos o corpo ao corpo
no lugar de estar só.
O desejo é infinito
que nos devora, avó.
Partiste ainda nem há dois dias.
A imagem bela, terna e doce
a que regressarei sempre
está na foto que te tirei na pastelaria.

À minha avó Cremilde de Almeida. 12 de Maio de 2012

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sábado, agosto 29, 2009

Até logo, tio Fernando

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sábado, agosto 15, 2009

Com Cheiro de Alecrim

Era quase sempre de dia quando brincávamos, como num filme antigo mas de cores garridas. Levavas-me pela mão; outras vezes corrias à minha frente, porque preferias pão com manteiga às sopas de café com leite. A Calçada cheirava a roupa lavada, soava a amolador e já então sabíamos estar em território místico, ainda que o não pensássemos.
Lembro-me de identificar-me em ti e de perceber porque éramos primos. Lembro-me de ver-te saltar destemidamente, entre os rapazes, de um rochedo assustador para o mar, que rompias num gesto gracioso. Nenhum te igualava e eu era o primo mais orgulhoso da Azarujinha. Lembro-me de te respeitar por isso e de te achar bonita; de como já eras crescida e de os dias clarearem quando nos juntávamos, porque estávamos de férias.
Deves lembrar-te do jogo de espelhos e reflexos que conduzia a luz do sol à casa de banho remediada, ao fundo, paredes-meias com a muralha fernandina, na penumbra da cozinha. Esse raio de luz desenhava partículas suspensas no ar num bailado perfeito e belo de coisas simples, como nós, ainda hoje, as recordamos sem sabermos; olhamos no fundo dos olhos nossos e sabemos fazer sentido, reconhecendo, no outro, a criança que sempre esteve em nós, e um legado ainda vivo. Não sei se te lembras daquele disco de 88 - o do "Porto Côvo" e do hit que antecipou a reforma do Cetera...
Sei que não esqueceremos os programas de rádio; as rúbricas; as tuas personagens e os sotaques; o agricultor ou a tia de Cascais; as minhas entrevistas e mixagens a dois decks; as cantorias hilariantes, entrecortadas por risos insustentáveis; as letras nonsense; os Vaya con Dios; "Puerto Rico"; o precoce humor inglês... do Norte. O momento poético "Poesia com Ela"...

"A minha casa é pequenina,
mas eu gosto muito dela.
Tem um quarto e uma cozinha;
uma sala e uma janela."
Lembras-te, prima? Lembrar-me-ei sempre de um regresso de braços abertos à Calçada e aos Birbantes, porque a vida é madrasta, mas escreve-se por linhas tortas. De um mal podem brotar inúmeros benefícios, e tudo é ganho quando não se tem tecto. Mas muito mais do que um sótão onde antes se guardavam mistérios e pó, redescobri um amor imenso numa arca que tens no peito.
Há pouco tempo, em casa do meu pai, encontrei um bilhete de identidade, um cartão de eleitor e um velho papel amarelado, daqueles usados pelos contabilistas da primeira metade do século passado. Continha anotações filosóficas e bíblicas - muitas! -, lembretes, contas, numerologia e rascunhos poéticos.

"Nossa família amorosa
tem cheiro de alecrim.
Ainda que estejam longe,
estão sempre perto de mim."
Estou certo de não precisar de atribuir autoria para que a reconheças. Mas as palavras, com este cheiro de alecrim, são dela e nossas. Serão um dia do David, que o mensageiro Gabriel pode ter caído (Revelação 12:4). Estás sempre perto de mim.
A Marta de Brito Simões

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