terça-feira, março 09, 2010

Olhos Caninos ao Fundo da Cama

Tenho há pacientes minutos a caneta apontada sobre o canto superior esquerdo da folha de papel. O olhar esteve perdido em pontos indefinidos de um horizonte que perpassa a televisão, a mobília, o aquecedor a óleo, a parede, a rua lá fora.
Mas dois olhos negros perscrutantes, curiosos e caninos, ao fundo da cama, interpretando atentamente a minha estranha ausência, revelam mais perspicácia, inteligência e poesia do que eu saberia escrever. As pessoas têm o terrível hábito de pestanejar demasiado. E perdem o instante.
A Jane Simmons

Etiquetas: , , , ,

terça-feira, março 07, 2006

A poesia pode até ser menos trabalhosa do que a prosa ou a glosa. Mas ter prosa em dia, esparsa, estonteante, díspar, fugidia, nada proveitosa ou alucinada poesia, uma delas seria.

Etiquetas: ,

terça-feira, novembro 08, 2005

Poemas da adolescência 31

Onde estão as escadas, que as não encontro? Dança, rodopia a noite, lençol negro amarfanhado de estrelas confusas, arrastadas num diafragma aberto e tonto. Piões de corda, confettis de silêncio preto e branco refulgente. Tudo retardado. Movimento fino. Deixei-te ver o sítio onde me escondo. Trouxe-te à minha caverna em estado de sítio, castelo de escombros. Mas a candeia do teu peito iluminou-a e, com efeito que nem eu sei, pude ver todos os locais onde na penumbra tropecei. Reencontrei até um velho carreiro de ar pesado, estreito e justo, desfiladeiro de saborear água pura a custo. Atravessei o negror sem susto e cheguei a ti, galeria de luz.

Etiquetas: , , ,

domingo, agosto 21, 2005

Resposta à questão de Saulo Mendes, ontem, no Mensagem na Botelha: "Quem somos?"

Não somos os mesmos a cada segundo que passa, a cada gota de suor vertido, a cada repetido esgar vaidoso na vidraça de um carro brilhante que já fora outro antes de ter batido. Éramos outros antes do cão ter morrido e deixado a casa vazia de um olhar ternurento; antes de, dia após dia, termos visto tanta gente ter perdido e ganho um sorriso de contente. Eles eram outros - são outros! - sempre que agora deixa de ser presente. Meu amigo de sempre!, nossa amizade é constante! Mas nós somos outros.
"Je est un autre", Arthur Rimbaud

Etiquetas: , , ,