quinta-feira, dezembro 22, 2005

Nota Explicativa 3 - "Dislates da Adolescência", Fecho do Livro Terceiro

Depois de, numa terça-feira, 26 de Abril de 2005, ter fechado, numa nota explicativa, o Livro Primeiro, a que apelidei "Lohengrin" - 27 poemas escritos ao longo de dois meses; e depois de, numa quinta-feira, 12 de Maio de 2005, ter voltado a fechar, em nova nota explicativa, o Livro Segundo "Maratona de Mim Exangue em Mágoa Desmamado", fecho hoje o terceiro livro, "Dislates da Adolescência", sendo certo que não mais aqui se lerão textos ou poemas titulados "Poemas da Adolescência". Marco assim o término do contributo da velhinha agenda onde guardava os escritos da pós-puberdade, que deixou de poder abeberar o Caderno de Corda, enxuta, transcrita na totalidade do que dali considerei aproveitável.

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segunda-feira, dezembro 19, 2005

Poemas da adolescência 35

Numa estrada para nenhures,
salve-se quem puder;
subam estrelas da fusão
que até o céu pertence
aos senhores doutores da aflição!
Medalha de ouro, brilho crepuscular,
fenómeno boreal...
Etéreo tesouro, sorriso de mar...
Leve e sinuosa, no entanto abundante,
é urgente uma onda imensa de verdade desconcertante
e amor devorador!
Que não é um patrão nosso senhor;
é apenas na hierarquia o primeiro,
o que ganha mais dinheiro,
o que avalia nosso labor,
mas nunca nossos corações,
que oferecemos ao mundo inteiro.
"Sigamos Ricardo III;
crucifiquemos Cristo!"
Eu cá não sou o primeiro,
mas se o houver,
damos todos cabo disto.

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sexta-feira, dezembro 09, 2005

Poemas da adolescência 34

Não esquecendo o sorriso que desenhas no canto esquerdo da tua boca, e não obstante a malícia que imprimo em insignificante texto, espécie de delícia de espírito e engenho, enlevo da vida e da morte, dedico-te o tempo e faço crer que o digo sem sorte.

Há um copo de vinho e velas no teu imaginário...

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terça-feira, novembro 29, 2005

Poemas da adolescência 33

À sombra e em pé de guerra,
fosse célere a minha busca...
Um finado se desterra
de um livro empoeirado.
Minha sapiência vã à sua custa,
pisado o grão em terra,
admitindo sobre o estrado
(em mão que se descasca e lavra
sobre a ambígua e melódica palavra)
a perdição em estado obstinado.
Suspirando palavras ocas,
adormeci enquanto as falava
e ouvia abanar a árvore das patacas,
a única num tal deserto de frio
cortante como facas.
Em desertos de lençóis e dunas erradas,
brindemos apenas a todos os sóis
e talvez a todas as estradas.
Sirvamos o vinho,
espreguicemo-nos em deleite,
percorrendo o caminho
da forma como enfeite,
que a beleza não me fará cair do tempo
num precipício sedutor,
luxúria vertiginosa,
espiral dos teus olhos
apaixonante e desencontrada,
ligeiramente estrábica.
Os rios desaguam no mar
e o galo cacareja há uma boa meia-hora.

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terça-feira, novembro 22, 2005

Poemas da adolescência 32

Hoje fiz nada.
Perdi-me, gastei-me
e deixei a cabeça poisada.
Senti-me como água em azeite,
abri-me numa ferida sarada
e restei, pungente,
como sorriso aos pés da escada.
Veio o deleite de fazer nada, ser nada;
a inércia indolente, estafada.
Hoje fiz nada.
Perdi-me, gastei-me
e deixei a cabeça poisada.
Senti-me como água
mas, depois, como azeite,
pesado e denso,
um sorriso ao fundo da escada.

n.b. - Um beijinho à sister Tânia Lara Gustavo, que, no meu dia de anos, me ofereceu um livro de Henry Miller chamado "O sorriso aos pés da escada".

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terça-feira, novembro 08, 2005

Poemas da adolescência 31

Onde estão as escadas, que as não encontro? Dança, rodopia a noite, lençol negro amarfanhado de estrelas confusas, arrastadas num diafragma aberto e tonto. Piões de corda, confettis de silêncio preto e branco refulgente. Tudo retardado. Movimento fino. Deixei-te ver o sítio onde me escondo. Trouxe-te à minha caverna em estado de sítio, castelo de escombros. Mas a candeia do teu peito iluminou-a e, com efeito que nem eu sei, pude ver todos os locais onde na penumbra tropecei. Reencontrei até um velho carreiro de ar pesado, estreito e justo, desfiladeiro de saborear água pura a custo. Atravessei o negror sem susto e cheguei a ti, galeria de luz.

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quarta-feira, outubro 26, 2005

Poemas da adolescência 30

A Ilha Deserta localiza-se em parte incerta.
Assassinos e larápios vulgam a liberdade na decretada terra,
deuses tão perfeitos cujas mãos matam e destroem.
E eu, que não tenho o apetite do que eles comem,
não sofro da mesma fome canina,
não abuso de peçonha ou estricnina,
e a erva-moura doseada tem dons de terapia.
Ouso a convulsão por mim acima
e esqueço a perfídia medíocre dos homens práticos.
Encho-me de evasivas e pretextos fantásticos
e enrodilho-me num meditado impulso:
escrevo sem destino, vou sem rumo em mim,
escrevo avulso.

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sexta-feira, outubro 21, 2005

Poemas da adolescência 29

... e no céu serás sempre uma estrela caída,
do espaço vinda.
E eu, sem perder a noção de ida,
e se mesmo ainda
te puder ver,
já estarás de mim apartada,
já estarás de mim perdida,
delirante e refulgente,
de partida.

n.b. - Sem qualquer relação com o "poema da adolescência 29", aproveito para deixar aqui registados os parabéns ao meu pai, que fez hoje (ontem, dia 20 de Outubro) anos. Estive com ele até há pouco. Jantámos. Amo-te, pai.

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terça-feira, outubro 18, 2005

Poemas da adolescência 28

Até a morte acompanhas
de braço dado pela rua.
Admiram-se mutuamente,
um bocado.
Homem e sombra seguem
o trilho da lua,
de braço dado,
lado a lado.
Junto à tempestade.

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sábado, outubro 15, 2005

Poemas da adolescência 27

E se deste demónio me libertasse...
e as minhas preces eu próprio escutasse,
tornando reais as intenções;
geniais as invenções.
Sagradas orações de solidão.
Bocejo, durmo, sossego.
Canto o segredo do banco
onde se senta o velho.
Espreguiço-me, levanto-me
e caminho, volto a andar.

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segunda-feira, outubro 03, 2005

Poemas da adolescência 26

Deitavas-te a meu lado,
lia-te as mãos,
beijava-te o pescoço...
todo o tempo do mundo.
O teu perfil astrológico,
carta de uma longa viagem.
À nossa volta pairava destino,
respirava-se verdade.
Acordas desfolhada
e entre um esteve o outro.
Já se foram os pássaros
e ainda estamos juntos.
Até já mergulharam morcegos
em chuvas de outros mundos...
onde a manhã veio num abraço,
na varanda,
ao relento.

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sexta-feira, setembro 23, 2005

Poemas da adolescência 25

Estou enfermo e só.
Dias de ingratidão.
O prazer da manhã desfeito.
O telefone cortado.
O sono embalado...
preso por um fio de saliva
que me cai no peito.
Cordão umbilical.
Barriga de mãe,
em paz disposto.
Encaixe fetal.
Não corro
nem movo,
preciso de alguém.
Queimo o tempo.
Durmo.
Queimo dinheiro.
Fumo.
Vampiros em busca de luz.
Movimento, cubo só meu.
Gritos mudos na cruz.
Silêncio do corpo pungente.
Para o Mundo ateu;
para eu toda a gente.
Inchado de nada, cansaço.
Baldado no tempo e no espaço.
Barriga de mãe,
barriga vazia!
Cigarro desapontado.
Algo que se não tem,
se perdeu
na cobardia
de estar desmamado.
O meu cordão umbilical?

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quinta-feira, setembro 22, 2005

Poemas da adolescência 24

Índios dançam
no cimo de ravinas.
Cabelos ao vento,
penas, aves de rapina.
Olhos esbugalhados
atravessam feixes
de carne e ossos
no ecrã próximo e fácil.
Perpassa-se o corpo
e chuva cai.
Deus, fizeste tudo
o que desfizeste
ao de cima vir.
Na barraca,
os olhos comem
no fundo do tacho.
Na política,
intenções de fogacho,
absoluta verdade do "nim".
Diz a estética
fazer de tudo parecer,
mas nada parece algo assim.
O filho ouviu a mãe.
Desamparado,
se deu a nascer,
viveu a morrer, e,
filho da mãe,
deixou-se ir
como células que dentro
correm a morte sem saber.
E não as mandes parar,
nem tens divino poder,
mas se divino é amar,
poderá saber também ser?

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terça-feira, setembro 13, 2005

Poemas da adolescência 23

Tudo tão acessível aos olhos do pedinte.
Stocks limitados.
Curiosos de fé, agarrados às grades,
do lado de fora.
Verem quem os vê
tremer de frio junto à geada.
Das grades à geada, sem tecto,
sem morada, sem nexo,
do lado de fora,
sem pedra nem nada.
Das grades à fé,
mar adentro sem pé.
Mas minto quanto às grades e à geada,
pois estas estão dentro em nada.
Das grades à fé, está tudo nas pedras, não é?

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sábado, setembro 10, 2005

Poemas da adolescência 22

Estava ali, juntinho ao mar.
Não pensava em nada,
nem ia pensar.
A história é breve, sem importância.
Ocorreu-me que o saber ocupa o lugar
da ignorância.

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quinta-feira, setembro 08, 2005

Poemas da adolescência 21

É madrugada.
Sobe, cada dia mais tarde,
o sol sobre a antena parabólica.
A criança, de mochila às costas, ensonada,
espera o autocarro na berma da estrada.
Urge o tempo entre o teste e a cólica,
até à fábrica de condicionamento.
Madrugada das casas tão cedo vazias
da periferia.
Reduz as necessidades se precisas de tudo
o que, sem nada, terias.
A criança tem hora para chegar.
Frenesim matinal
de dever prematuro.
Na jaula de vidro,
a beleza irónica e distante do mundo.
E a janela tecnológica
projecta um muro
inodoro
de paisagem bucólica.
É Setembro.

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quinta-feira, agosto 25, 2005

Poemas da adolescência 20

Vossas duas almas vazias,
deslumbradas almas
pelas maravilhas do novo mundo,
tristes, como bonecos de papel
em prédios de cartão...
As vossas amigáveis vozes
e o verbo tonitruante
que em farpas vos disparo,
encerrando-vos o semblante.

(...)

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sábado, agosto 20, 2005

Poemas da adolescência 19

Porquê as palavras que não podem ser desfeitas?
Porquê do vento ter levado o único barco da ilha?
Porquê a recusa de para mim as coisas perfeitas?
Porquê do quilómetro; porquê da milha?
Porquê teres o meu coração no bolso de um casaco de Inverno?
Porquê da minha alma a soldo entre céu e inferno?

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terça-feira, agosto 16, 2005

Poemas da adolescência 18

Caí para dentro das horas,
para onde todos os agoras são agora.
E elas não escoam nem vão embora,
mesmo que deite o relógio fora.
Caí para onde caíram todos os planos,
para depois da descoberta reinventada;
um gato no poço dos desenganos,
escasseia água - serve-se racionada.
Não há que poupar esta vida.
O tempo dá-nos imortalidade;
o espaço, guarida.
Para onde quer que possamos ir,
encontrar-nos-emos por fim,
nem a chorar nem a rir:
sendo.

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sexta-feira, agosto 12, 2005

Poemas da adolescência 17

No ancestral Torel,
enquanto pedalas,
me cortam carícias de fel,
dissolvo no corpo balas,
ventos que me beijam e atraiçoam,
'és tu', pensei, à distância que nos aparta.
Estás sempre presente,
estás em todo o lado...
Queria desinventar a rima e o que se sente
e ser eu o iluminado.
Queria tirar-te do pensamento,
ou ter-te aqui, do meu lado.
Que astro és tu? Fotossíntese!,
que todas as manhãs nasço para ti virado!
Que noite e dia!, antítese!
Que planta, eu, sozinha neste prado...

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