sexta-feira, abril 25, 2025

Manual de Desobediência para um País por Fazer

I
Não foi bem isto, companheiro,
não foi bem isto que Abril prometeu.
Havia cravos; hoje há ecrãs,
selfies sem Marcelo, silêncio nos cafés.
A revolução saiu diagonal do telejornal,
feita de molduras e retrovisores.
Enquanto isso, os merceeiros
aprenderam a ser CEOs.

II
Orwell acena em vão da cloud
e Kafka espera em linha no call center
sem previsão de atendimento.
O processo é automático
e a culpa é tua, cidadão 405-B.
A felicidade tem código de barras.
Automatizaram a empatia
e empatizaram os automatismos.
Seja como for, mentiram-te sempre.
Chamaram-te livre,
mas só te deram turnos.

III
Não há PIDE, há algoritmo.
Não há censura, há viralidade,
um eco tão ruidoso
que oblitera a voz do pensamento.
O futuro foi vendido à prestação,
com juros de desilusão a longo prazo.
A terceira vaga rebentou
num tsunami de notificações,
uma greve geral de sentido
em que nos adiamos.

IV
E nós? —
Nós cantámos,
coreografámo-nos à beira do abismo.
Nós escrevemos,
demos murros no ar e beijos na lama.
Nós andámos à pancada com a esperança.
Quase perdemos. Perdemos?
E ainda assim — ainda assim —
trazemos Abril nos bolsos, amarrotado,
como quem esconde um poema perigoso
num país habituado a não ler.

V
Os filhos da madrugada foram postos a dormir.
Mas um dia acordam —
e nesse dia, meu Irmão,
não será com tanques de guerra, mas com versos,
com mãos sujas de tinta, de giz e de terra,
com vozes afinadas como dentes afiados
que faremos a Revolução
por fim —
inteira,
com todas as letras.

VI
Basta de remendos, de pedir licença para respirar
e comer duas refeições mediterrânicas por dia.
Paremos tudo, sine die —
as fábricas, os códigos, os turnos, os ecrãs.
Fechemos os bancos,
os supermercados,
a boca dos donos do mundo.
Não queremos esmola,
queremos o justo:
tudo repartido.
A igualdade não se negoceia.
E se for preciso arder tudo,
que arda.
Mas que nasça, por fim,
um país vertical impossível
de paisagens horizontais,
nosso.


Jeremias Cabrita da Silva in "Depois da Última Revolução Vem a Primeira" (Edições Utopia, 2034)

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quinta-feira, abril 17, 2025

🚫 CENSURA DIGITAL — ARQUIVO DO BLOGUE CADERNO DE CORDA

Desde 2005, o Caderno de Corda publicou mais de 1500 textos - alguns literários e ensaísticos, canções, deambulações mais ou menos imberbes, textos jornalísticos, baboseiras atrevidas, memórias... Durante largos anos, esta casa foi regularmente indexada nos motores de busca, citada por sites e blogues, partilhada, lida, referenciada. Era visível. Existia. As suas palavras existiam.
Paulatinamente, e em especial ao longo da última década, algo mudou drasticamente. A presença do blogue desapareceu dos resultados do Google. Foi desindexado. Silenciado. Tornado invisível.
As ferramentas do próprio Google deixaram de reconhecer o conteúdo. Os sitemaps deixaram de ser lidos. Os backlinks desapareceram. As tentativas menos avisadas de reintegração têm sido bloqueadas. As pesquisas mostram resultados residuais e inócuos — como se o blogue nunca tivesse existido. Após levantamento crítico e técnico minucioso, acreditamos estar perante um caso de apagamento sistemático e intencional.
Este post é um gesto técnico, mas também político. É um manifesto profundamente indignado, ainda que sintético. Uma recusa em aceitar que duas décadas de escrita e pensamento possam ser varridas do espaço público digital. Mesmo que apenas por desactualização tecnológica do template, por ausência de meta-informação moderna, por inatividade percebida, por falta de HTTPS ou “sinais errados” transmitidos ao algoritmo.

📌 O QUE ESTÁ A VER AQUI?

Para tentar forçar a reindexação, reunimos abaixo todos os arquivos mensais do blogue, de março de 2005 a abril de 2025 — um a um, mês a mês. São, à data de publicação, 153 meses publicados, listados com os seus links directos. A cada um será solicitado manualmente o pedido de indexação. Mas o esforço não é apenas técnico. É simbólico. É resistência.


📣 PORQUE ESTE POST É UM ACTO PÚBLICO NECESSÁRIO

É temporário, técnico, mas é também um acto de resistência e memória. Cada clique nestes arquivos é uma recusa ao esquecimento e à tirania dos tempos modernos. Uma forma de contrariar a censura invisível que apaga conteúdo legítimo, jornalístico, literário, pacífico, crítico.
Não somos de certezas absolutas, mas os indícios acumulados apontam para um apagamento digital sistemático e politicamente orientado. O blogue Caderno de Corda abordou em tempos muitos temas sensíveis. Tocou onde não devia tocar. Fez perguntas incómodas. Mencionou nomes. Reivindicou memória. Foi sendo silenciado.
Não é um pedido. É uma ação consciente. Este post foi criado para contrariar o apagamento de quase duas décadas de escrita — especialmente de textos poéticos, literários, jornalísticos, ensaísticos, críticos, de memória e intervenção.
Abaixo encontram-se os links diretos para os 153 arquivos mensais do blogue, de Março de 2005 a Abril de 2025. O que se pode fazer com eles?
👉 Aceder;
👉 Explorar;
👉 Clicar aqui e ali;
👉 Reenviar ou partilhar um post especial, uma memória, um poema, uma canção... (os posts publicados no Caderno de Corda são os textos originais, publicados na hora, sem a devida edição e reescrição dos poemas publicados em livro);
👉 Forçar o Google a admitir que o Caderno de Corda existe, que está vivo, que merece ser visível.
Cada clique sinaliza que o conteúdo é procurado, lido, legítimo. Este é um modo simples de contrariar o apagamento digital — forma de censura implacável e sofisticada como nunca. As estimadas leitoras e os estimados leitores não têm de fazer nada. Mas podem escolher resistir connosco.

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segunda-feira, abril 07, 2025

AVISO: Data d'O Jantar (Anno XX) remarcada para 24 de Maio de 2025

AVISO: A data originalmente prevista (25 de Abril) foi remarcada para 24 de Maio por motivo de encerramento do restaurante no Dia da Liberdade.
O Jantar realizar-se-á no sítio do costume. Haverá muitas surpresas e novidades, neste que se espera ser o mais retumbante repasto até à data. Como é sabido, o aniversário comemora-se de 26 para 27 de Março (data do aniversário do blogue), mas vem sendo já hábito concretizá-lo em data posterior, de modo a favorecer a comparência do maior número de confrades cordianos. A participação é livre e especialmente dedicada aos indefectíveis Irmãos cordianos e estimados leitores. Como nos últimos três anos, O Jantar será novamente iniciado mais cedo do que é costume, por volta das 18h30 horas. Tragam um Amigo também.

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