Do Ministério da Verdade (Um texto jornalístico?)
Volvidos cinco anos silenciosos sem que, publicamente, perguntas incómodas se colocassem na desconstrução dos atentados ocorridos no dia 11 de Setembro de 2001, a RTP transmitiu por quatro vezes no período de dez dias o polémico documentário “Loose Change”. Uma imensa onda de controvérsia foi despoletada nas ocidentais praias lusitanas, chegando abundantemente às praças da opinião. Ter-se-á aberto a caixa de Pandora?
Desde logo se tornou conhecida a tese formal veiculada pelas fontes oficiais da administração norte-americana sobre os atentados de 11 de Setembro, que relatam a consumação de uma acção terrorista organizada por Osama Bin Laden, líder islâmico da Al-Qaeda. Ao transmitir por quatro vezes, entre 8 e 17 de Setembro, o documentário “
Loose Change – Conspiração Interna”, que apresenta a tese polémica de que a própria administração Bush teria influência na execução dos atentados, a RTP gerou uma vaga de contestação sem precedentes no País.
O filme, que se tornou num dos mais vistos na Internet, onde fora originalmete publicado em Abril de 2005, tem surgido recentemente na grelha de várias estações de televisão, entrando pelas casas de cerca de 100 milhões de espectadores de todo o mundo.
Perante isto, em Portugal, dois flancos ideológicos perfilharam posições diametralmente opostas, qualificando-se mutuamente como “falsificação histórica”. Na visão sustentada pelo filme estabelecem-se relações entre operações de manutenção autorizadas por Marvin Bush, irmão de George W. Bush, e a alegada colocação de explosivos de demolição controlada no interior do World Trade Center (cuja queda se contabilizou no mesmo número de segundos que um objecto lançado do topo das torres demoraria a atingir o solo); denunciam-se alegadas operações financeiras relacionadas com os atentados - por exemplo, um volume anormal de venda de acções da American Airlines em vésperas do 11 de Setembro; põe-se em causa o destino do voo United 93 e as chamadas de telemóvel feitas pelos passageiros às suas famílias (invocando testes que demonstram a baixa taxa de sucesso nas chamadas estabelecidas àquela altitude), assim como o facto de os ocupantes dos voos 93 e 77 terem sido identificados apesar da volatilização dos aviões em que viajavam. Estas e outras questões, exigindo respostas para as insuficiências investigativas publicadas no “
Commission Report”, são abordadas no filme, de imediato debaixo do fogo crítico de alguns líderes de opinião portugueses, no flanco oposto.
Verdade difusa ou mentira bem urdida?
No último Prós e Contras, de 11 de Setembro, Pacheco Pereira revelou menosprezo pelas dúvidas suscitadas, acabando mesmo por associar ao “desgastado estigma do comunismo” os cépticos da versão oficial tornada pública. "’Ponham lá aí um cartaz a dizer que eu sou muito estúpido’ - é o que os que levam a sério o “
Loose Change”, a começar pelos programadores da RTP que entraram agora num nível provocatório, estão a dizer", afirmou, diante do interlocutor Mário Soares.
Acusando a RTP e o filme “
Loose Change”, “que mostra como o fanatismo político anti-americano leva à deterioração do pensamento e é contagioso, tanto para as mentes simples como para as sofisticadas”, Pacheco Pereira escreveu no seu blogue, “Abrupto”: “A realidade do terrorismo dissipa-se, o terrorismo torna-se invisível, hipotético, ‘pretextual’ como nas melhores teorias conspirativas. Num noticiário da SIC referia-se de passagem que, no Irão, milhares de voluntários se ofereceram, em resposta ao apelo de alguns parlamentares iranianos, para servir de suicidas. Mas como era possível sequer reparar nesta notícia, incorporá-la no discurso? Não era. O terrorismo, mesmo ali diante dos nossos olhos, desaparecia, esbatia-se, dissolvia-se, normalizava-se. Tornava-se impensável.”
No dia 12, também Martim Avillez Figueiredo, director do Diário Económico, se insurgiu num editorial titulado “Com isso não se brinca”, considerando que Dylan Avery, um dos autores do documentário, “deveria ser repreendido, não ouvido”. Noutro editorial, desta feita publicado no jornal Expresso a 16 de Setembro, Henrique Monteiro apontou os “perigos do negacionismo, sobretudo o do terrorismo islâmico”, de certa forma à semelhança de Pacheco Pereira, queixando-se da Internet, do comunismo e da RTP. "O negacionismo não é novo na História e sempre esteve ao serviço de uma ideologia. Os mesmos que negavam a barbaridade dos regimes comunistas, logo que a realidade histórica impôs a verdade, viraram as baterias contra a superpotência sobrevivente", escreveu Henrique Monteiro, concluindo com o argumento de que, "se a opinião pública e a comunicação social não reagem a esta inacreditável manipulação, poderemos tornar-nos reféns de mais uma falsificação histórica - uma das mais conseguidas artes, aliás, do estalinismo."
A história recorda-nos uma frase de Hitler, que afirmou: “Quanto maior for a mentira, mais pessoas acreditarão nela”... Apesar de podermos pensar ser sempre possível provar tudo e o seu contrário, em que ficamos? Por um lado temos uma verdade difusa e, por outro, uma mentira bem urdida?
Serviço público ou transgressão deontológica?
Segundo Paquete de Oliveira, provedor do telespectador da RTP, os consumidores do canal público não partilham da opinião de, entre outros, Pacheco Pereira, que escreveu, há uma semana, na sua crónica na revista Sábado, que “a passagem do filme é inaceitável no quadro deontológico de qualquer estação de informação”, classificando-o como “um produto menor, de muito má qualidade”.