É com satisfação, honra e orgulho ímpares que revelo, em primeiríssima mão, o nascimento do blogue
Rato do Deserto, cujo autor é um amigo de longa data que plantou em mim memórias inapagáveis. Em dois ou três anos de blogosfera como autor e leitor, ainda não havia sentido tamanha satisfação em ver germinar um blogue. Nascido hoje mesmo às 11 horas e 36 minutos, o
Rato do Deserto surge, curiosamente, depois de eu ter publicado
NESTA caixa de comentário a memória do momento de criação da primeira música que compus, de braço dado com o João Trigo, autor do
blogue que hoje divulgo. Falei com o João há pouco. Pediu-me para, neste
post, referir ser o recém-nascido blogue
Rato do Deserto o seu "depositório" lírico, sendo que não garante nem pretende um ritmo de publicação regular. O nome de baptismo, aposto, relaciona-se com a paixão do autor pela história, em particular aquela ocorrida em períodos de Guerras Mundiais.
Adiante, o Arnaldo, do
Página 23, perguntava-me, depois de,
NESTE post, observar um nome que lhe era estranho e que reclamava a autoria de duas das músicas tocadas pelos Baby Jane no último concerto da banda, quem é o enigmático João Trigo, recordando, coincidência das coincidências!, o velhinho tema “Luz da Noite” ("
Devil"):
“Que é feito da Luz da Lua (acho que era este o nome). Já agora, quem é o João Trigo?”
Pois bem, a minha resposta espontânea, dada de imediato na mesma caixa de comentário (
ESTA), sem cuidados extremos com a delicadeza da redacção, seguiu assim:
(...) “Sem imaginares, nas duas frases finais do teu comentário, relacionaste espantosamente dois elementos indissociáveis: o "Luz da Noite" (era "Noite"; o refrão é que continha as expressões "luz da lua") e o João Trigo. Parece-me quase que absorveste inconscientemente a dimensão oculta das ideias. É incrível a associação!: O "Luz da Noite" foi a primeira música que compus e escrevi, durante uma festa de "som" na vivenda vazia do César (
Kaiser), no dia em que apanhei a minha primeira bebedeira. Inicialmente em inglês, foi tocada indizíveis vezes nas escadas e bancadas dos Salesianos, um colégio católico. Diga-se que, originalmente, o título era simplesmente "
Devil"...
O João Trigo era um ano mais velho, e seguramente aquele de entre os mais velhos de quem eu mais gostava. Tocava baixo na banda mais antiga e experiente do colégio. Além do mais, compunha praticamente a totalidade das músicas, donde sobressaíam as letras, na voz do Dino, a roçar os píncaros da genialidade. :)
Recuando um pouco, recordo-te a tal bebedeira na casa do
Kaiser. O Trigo estava, obviamente, lá (Trigo e
Kaiser são amigos e ex-vizinhos de longa data). Sentados no chão, noite alta, na sala quase vazia - não fosse a mesa com o frango assado -, eu e o Trigo, cada um com a sua viola.
Comecei uns acordes ("power chords", claro), Mi, Sol, Lá, Si#, o Trigo seguiu a deixa e cantarolou... Foi como se me abrisse a cabeça. É isso... o Trigo foi das pessoas que felizmente passaram pela minha vida que me 'abriram a cabeça'! Uma vez, em Albufeira, uma miúda mais velha, estúpida e má, também me abriu a cabeça: atirou-me com uma pedra de calçada. Sete pontos, pelo menos.
Fiz a música em inglês. Se bem me lembro, parti do mote dado pelo Trigo. Uns meses mais tarde, os Hades (a primeira banda que tive, com os meus amigos de infância e pré-adolescência João Luís, Quim, Armando, César e Barata) tinham a oportunidade de inscrever uma música original num grande (era mesmo!) concurso a realizar-se nas OSJ - a segunda edição da "Festa da Música", sendo que havíamos vencido inesperadamente a primeira edição.
Avançámos com o "Devil", mas quisemos assumirmo-nos como uma banda que comunicava em língua portuguesa... Então, andei dias a pensar como escrever uma música em português... Sempre havia escrito letras apenas em inglês... Até que, numa tarde de dia de festa no colégio (dia de D. João Bosco?), fui com o Trigo até casa dele e comentei, no elevador, a dificuldade que estava a sentir para escrever uma simples letra na língua de Camões. Sei dizer que, entre os hipotéticos 12 segundos que demorámos até o elevador estancar no andar de destino, o Trigo sacou de debaixo da língua os dois primeiros versos. Tentei não esquecê-los, pedi-lhe para continuar a pensar no assunto e, se possível, para me transmitir os desenvolvimentos no intervalo da manhã do dia seguinte.
Na manhã seguinte, num átrio, reencontrámo-nos. O Trigo trazia o olhar cintilante e perspicaz que o caracteriza e que transmite confiança. Tirou de dentro do bolso das calças de ganga um papelito dobrado em quatro e passou-mo para a mão. Foi rápido. Trocámos umas palavras e tenho ideia de ele se ter afastado com ligeireza, como se não quisesse ver a minha reacção imediata (a menos espontânea quando temos à nossa frente quem nos presenteia).
Na ausência dele li o bloco de quatro frases. A métrica parecia perfeita à vista. Gostei. Aquilo embalou-me e escrevi o resto na aula seguinte. O "Luz da Noite" concorreu à "Festa da Música" e alcançou um honroso segundo lugar.
O Trigo foi o meu Ary dos Santos (e sabe-o).
Ó Arnaldo, olha só a trabalheira que o teu comentário me deu! Tocaste num dos vários pontos "G" das minhas memórias!
:D
Aquele abraço!”
À
posteriori, o
Kaiser fez ainda uma valiosa adenda e eu, desta feita leitor do meu próprio blogue, sorria cá para comigo:
“Esta janela de comentários obriga-me a recuar mais de dez anos na minha, não obstante, curta vida. Primeiro que tudo, importa agradecer o elogio do nosso timoneiro blogosférico. Embora me sentisse parte da banda, o facto é que os Hades contaram com a presença pontual do Kaiser, eu, no baixo - 'Highway to Hell', 1.ª festa da música das OSJ. Quanto ao 'Devil' - my name is devil, I walk on the streets no one can hear, I drink all the blood of those who fear -, é verdade que cedi o meu 'estúdio' na Parede, regado de cerveja, gin, frango assado e, mais importante que tudo, amigos!
A "Velha Caquética", título original, se a memória não me atraiçoa, foi uma piada musical que o Trigo e a Sofia compuseram em honra à nossa (vivíamos todos no mesmo prédio) vizinha do 1.º Andar Esquerdo. Rolava mais ao menos assim: 'Velha caquética, que guardas o portão, velha esquelética, vai cair-te a mão; tens muitas histórias para contar, na tua cadeira de rodas, u ié!'
O "Heavy Mentol", que contava com uma generosa guitarrada do João Cruz, e a "Velha Caquética" são originais dos 'Akahekku' - banda do Trigo, Cruz, Dino, Moreira e Ricky, que contou com a presença do Bernardo e da minha pessoa, num memorável concerto no Aquaparque -, que estiveram talhados para voos mais altos, mas, na hora da descolagem, tiveram vertigens. A estas duas, podemos juntar a, para mim, grande malha "Joana em Mim Maior": esta música é muito boa!!! Por ora, já chega de recordações!”
Definitivamente, ao João Trigo
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