Chegado finalmente o tempo de analisar os
resultados da votação na "
Sondagem Cordiana V: Portugal precisa de uma nova Revolução?", comecemos pelo óbvio: Em 52 votos totais para 11 respostas possíveis de três tendências dominantes (afirmativa, contrária e "branca"), a maioria absoluta (55%) inclina-se para a ideia de que "Sim", o País precisa mesmo de um abanão. Mas não nos esqueçamos de que a Revolução deve permanecê-lo... Já lá vamos.
Assim sendo, dos 28 votos (55%) "revolucionários", 18 recaíram sobre a resposta "Sim, e temos o dever de utilizar as Novas Tecnologias de Informação para difundi-la" [n.d.r -a Revolução]. Esta foi, aliás, a resposta mais escolhida, correspondendo a uma percentagem de 35% do total. Ainda pela tendência afirmativa, registam-se seis votos (12%) em simplesmente "Sim", demonstrando que, independentemente das opções apresentadas, o propósito da mudança de rumo urgente é mais largo do que a estrada ou o traçado. Talvez porque é sempre necessário um português para que lhe sigam mais dois ou três (o que, dito assim, não poderia ser logicamente de outra forma), foram precisamente três (6%) os votos em "Sim, se todos nos unirmos por uma causa". De qualquer modo, metendo a minha colherada, atomizados como estamos nas grandes urbes, separados pelo trânsito, pela hora de ponta, pelo stress, pelo excesso, e até, diria, pelos telemóveis, como propagar uma ideia que nos una senão pelo uso das Novas Tecnologias de Comunicação - os blogues, por exemplo? Assinale-se ainda um voto solitário (2%) em "Sim, desde que em conformidade com outros países da UE" - a meu ver, uma resposta extremamente traiçoeira, visto ser a UE um sulco federativo inevitável na soberania nacional (e) popular, se me permitem a expressão tosca.
Adiante, pela perspectiva contrária ao inquirido, 10 votos (19%) somam o total genérico pela tendência do "Não". Com sete votos (13%), a resposta "Não, depois da primeira experiência, está visto que uma segunda não traria nada de bom" indicia talvez a profunda desilusão pelo que da "Revolução dos Cravos" resultou, sendo certo que os privilégios e as desigualdades se nos apresentam tão ou mais notórios que antes. No entanto, o mesmo erro não deve cometer-se duas vezes. Que o 25 de Abril de '74 tenha sido uma experiência ainda assim válida, identificados seus erros e, quem sabe, corrigidos um dia por empirismo e síntese dialéctica. Em terra de cegos...
Dois votos (4%) recaíram sobre a simplicidade do "Não" e apenas um (2%) na hipótese "Não, o povo não tem a mesma consciência política nem ideais revolucionários". Temos assim um não categórico, à semelhança dos desiludidos com o pós-25 de Abril, com um travo reaccionário ainda latente, como o pulsar do cão amestrado que não sabe senão fazer o que lhe pedem a troco de comida. Eis o espelho de muitos portugueses - projecção de si mesmos - aguado no fundo de um pires de tremoços, iguaria das iguarias enquanto não servirem camarão a acompanhar a mini.
Por fim, mas não de somenos importância, registam-se 14 votos (27%) na resposta "Voto em branco (o da lucidez...)", uma alusão óbvia à obra literária "Ensaio Sobre a Lucidez", de José Saramago, na qual se narra uma estória insólita mas extremamente interessante: Numa cidade - Lisboa, supõe-se -, capital de um país, em dia de eleições, 70% dos eleitores, cansados com a política vigente, votam em branco. Repetidas as eleições no domingo seguinte, o número de votos em branco ultrapassa os 80%. Receoso e desconfiado, o governo, ao invés de se interrogar sobre os motivos dos eleitores, desencadeia uma vasta operação policial para descobrir qual o foco infeccioso que está a minar a sua base política e eliminá-lo. É assim que se desencadeia um processo de ruptura violenta entre o poder político e o povo, cujos interesses aquele deve supostamente servir e não afrontar. Parafraseando a
sinopse da Editorial Caminho, "Ensaio sobre a Lucidez (...) constitui uma representação realista e dramática da grande questão das democracias no mundo de hoje: serão elas verdadeiramente democráticas? Representarão nelas os cidadãos, os eleitores, um papel real, e não apenas meramente formal?"
A terminar, penso novamente em como seria interessante assistir a autárquicas brancas...
"A revolução, se quiser resistir, deve permanecer revolução. Se se transforma em governo, já está falida... Os lugares que deixaram de ter uma revolução permanente recuperaram a tirania."
in "Aprire il fuoco", L. Bianciardi (1922-1971)
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