domingo, outubro 30, 2005

O Fidji faleceu hoje, sereno, durante a noite, mesmo antes de eu partir. Estou bem. Vi o voo de uma pomba branca.

'Té já

Hoje vou de viagem. O Caderno de Corda verá pausada a publicação diária. Nunca até aqui me ausentara por mais de três dias. Parto apreensivo por não me abandonar a ideia de que o Fidji pode também partir subitamente e não estarei por perto. Farei silêncio agora, mas não sem antes agradecer o gesto ou as palavras da boa gente que com estas coisas também se sente. 'Té já.

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sábado, outubro 29, 2005

Acto de contracção

Escrevi um post poético. Apaguei-o. Não o sentia. O Fidji continua sem comer nem beber. Não se levanta. Faz ocasionalmente um rosnuivo de queixume gutural e contrai-se num curto espasmo. Não quero que parta sozinho. Ou eu ou a minha mãe estaremos com ele. O Caderno de Corda ressente-se também.

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sexta-feira, outubro 28, 2005

O meu Irmão Fidji

O meu Irmão está às portas de outra vida

O meu Irmão está às portas da nossa morte, cansado, exangue, débil, tão frágil. Os olhos mortiços e baços, semiabertos ou semicerrados... não sei dizer, como não sei se o copo que tenho à frente está meio cheio ou meio vazio. A membrana ocular que recobre a córnea oculta aqueles olhos tão ternos, tão generosos e castos. O meu amorável Irmão está prestes a repousar a derradeira redenção dos afáveis. Sinto próximo o dia glacial em que não mais poderei sentir o seu encosto dorsal junto às canelas e à barriga das pernas assim que boto o pé em casa. Até do mau hálito vou ter saudades; de, com um simples gesto de braço, me fazer entender amplamente sem precisar de dizer nada - além de que o meu Irmão ensurdeceu há já talvez um ano ou mais. Está deitado agora. Não come nem bebe. Apenas ulula de tempo em tempo porque está em contínuo sofrimento. O que sente, não sei. Imagino, por várias razões, que sinta dores de barriga, cólicas violentas. Penso nele e preparo uma tristeza amenizada pelo carinho que lhe posso transmitir ainda - não previno a tristeza nem a esconjuro; ofereço-lha como tributo. Serão muitas e inesquecíveis as recordações do meu Irmão, que uivava num mimetismo quase verbal o meu nome verdadeiro... «huuuuug». Então, sem réquiem, sem cerimonial trágico nem latim, passei parte desta noite ora junto dele, ora pensando nele. Se nunca viram um cão viver 16 anos felizes, eu vivi 16 anos felizes com um cão. Chama-se Fidji. Ainda.

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Dá-me Lume (Jorge Palma)

Chegaste com três vinténs
E o ar de quem não tem
Muito mais a perder
O vinho não era bom
A banda não tinha tom
Mas tu fizeste a noite apetecer
Mandaste a minha solidão embora
Iluminaste o pavilhão da aurora
Com o teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Eu fiquei louco por ti
Logo rejuvenesci
Não podia falhar
Dispondo a meu favor
Da eloquência do amor
Ali mesmo à mão de semear
Mostrei-te a origem do bem e o reverso
Provei-te que o que conta no universo
É esse passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a música acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar

Eu tinha o espírito aberto
Às vezes andei perto
Da essência do amor
Porém no meio dos colchões
No meio dos trambolhões
A situação era cada vez pior
Tu despertaste em mim um ser mais leve
E eu sei que essencialmente isso se deve
A esse passo inseguro
E ao paraíso no teu olhar

Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a música acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar

Se eu fosse compositor
Compunha em teu louvor
Um hino triunfal
Se eu fosse crítico de arte
Havia de declarar-te
Obra-prima à escala mundial
Mas eu não passo dum homem vulgar
Que tem a sorte de saborear
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Jorge Palma

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quinta-feira, outubro 27, 2005

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Música, Maestro!

Desde hoje o pavilhão da aurora foi iluminado com música. Jorge Palma, a escolha axiomática e evidente. Agradeço a Vera Cymbron, que teve a amabilidade de, depois de eu lhe raptar uma fotografia ("O Velho da Baixa") - devidamente atribuída à autora -, me possibilitar conhecer o código html necessário para ter o Jorge a cantar no Caderno de Corda. Inicialmente tinha pensado num instrumental: "Mancha de Café". Um andamento mais lento, cadência inconstante, piano virtuoso e a identificação enevoada de um trecho musical sem airplay. Mas parece que "Mancha de Café" não consta na memória de servidores informáticos, ou coisa que o valha. Escolhia entre "Dá-me Lume", "Deixa-me Rir" ou "Frágil". As duas últimas são as músicas mais batidas do trabalho do J.P.; são aquelas que, por vezes, representam para alguns leigos todo o acervo fantástico do Palma, que parece não existir para além desses dois temas. Seja "Dá-me Lume" então. Música, Maestro!

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quarta-feira, outubro 26, 2005

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Poemas da adolescência 30

A Ilha Deserta localiza-se em parte incerta.
Assassinos e larápios vulgam a liberdade na decretada terra,
deuses tão perfeitos cujas mãos matam e destroem.
E eu, que não tenho o apetite do que eles comem,
não sofro da mesma fome canina,
não abuso de peçonha ou estricnina,
e a erva-moura doseada tem dons de terapia.
Ouso a convulsão por mim acima
e esqueço a perfídia medíocre dos homens práticos.
Encho-me de evasivas e pretextos fantásticos
e enrodilho-me num meditado impulso:
escrevo sem destino, vou sem rumo em mim,
escrevo avulso.

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terça-feira, outubro 25, 2005

"Old Age", de Sandy Huffaker. Aproveito para deixar um beijinho à minha avó, que está numa casa de repouso, e de quem me tenho lembrado. Soubesse a juventude; pudesse a velhice...

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"Quando uma existência digna preparou a velhice, não é a decadência o que ela recorda, mas os primeiros dias de imortalidade" (Madame de Stael)

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segunda-feira, outubro 24, 2005

Volto revolto (Jeremias Cabrita da Silva)

Depois, vai-se esta carne e ninguém repara no que fui. Vai-se a esperança e vem, fumegante, o cheiro a morte, qual névoa sobre o campo de batalha pairando. O ataque não será repetido, nem homens há que o façam. As mulheres, de luto; órfãos de pai. Foi-se o envoltório seco, rugoso, flácido, dissipou-se o ouro, esboroou-se o diamante, e a luz, cada vez mais ténue e difusa, a mim, que vivo só na penumbra, acusa. Vapor, ascendo às nuvens e volto gota de água. Ninguém me viu secar. Todos me sentiram molhar... e sacudiram.
Jeremias Cabrita da Silva
Foto "O Velho da Baixa" de Vera Cymbron

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domingo, outubro 23, 2005

Magna Carta. Runnymede, 15 de Junho de 1215

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sábado, outubro 22, 2005

A palavra palavra

Palavras são baraços.
Ditas, soam aos ouvidos de quem fala
como cacos em estilhaços envolvidos na mordaça.
Palavras são sons fracos
e linhas ténues; são "és porco" na vidraça,
são latidos que o açaime nunca cala
e, de quem nada tem para dizer,
uma bota que não se descalça.
Palavras são um jogo
mas não têm cheiro tendo.
As palavras não são palavras,
são outra coisa.
As palavras são cerejas...
Há palavras que sabem a mar,
outras que cheiram a livro novo;
umas, por inteiro relendo,
outras, palavras que não são palavras,
leio como quem as oiça,
e as sinta fervendo.
Há palavras que rutilam a cor.
Áridas no céu da boca seca,
escritas na pele para sempre,
indicando a direcção de Meca,
palavras há que são o luar
visto da água-furtada,
e o prazer de estar
lá, onde nunca acontece nada.
Palavras nem sempre estão àquem
da dureza das pedras, da frieza do olhar,
do murro na mesa, do grito,
mas não conseguem igualar
este silêncio aflito
nem a tua indiferença,
a falta do teu riso.
As palavras podem ou não
ser a nossa salvação.

n.b. - Escrevi agora, de improviso. É possível que venha a sofrer alterações. Estava deitado sem conseguir dormir. Gabriel, o Pensador, cantava na tv e pareceu-me bonito o som da palavra "palavra", que, por acaso, até sei dizer em russo: Slovo. Entretando, terminei-o a pensar num poema de Eugénio de Andrade que apanhei no ar; um poema com sabor a terra, frutos de Verão e mar. Eugénio de Andrade chamou-lhe "As palavras são o ofício do poeta". Cliquem pra dar uma olhada. Tão simples...

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sexta-feira, outubro 21, 2005

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Poemas da adolescência 29

... e no céu serás sempre uma estrela caída,
do espaço vinda.
E eu, sem perder a noção de ida,
e se mesmo ainda
te puder ver,
já estarás de mim apartada,
já estarás de mim perdida,
delirante e refulgente,
de partida.

n.b. - Sem qualquer relação com o "poema da adolescência 29", aproveito para deixar aqui registados os parabéns ao meu pai, que fez hoje (ontem, dia 20 de Outubro) anos. Estive com ele até há pouco. Jantámos. Amo-te, pai.

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quinta-feira, outubro 20, 2005

Los Tres Amigos

Hoje não sabia o que escrever no Caderno de Corda. Dei-lhe um travo muito próprio mas hermético, poético ou prosaico, narrativo ou descritivo... na medida do possível. Quando a coisa não recai na poesia, descamba para o Glorioso. O Caderno de Corda tem sido o meu vazadouro de criatividade apaixonada, tolhida pela intemporalidade do ócio e por extremos estados de espírito. O Benfica enquadra-se aí perfeitamente: é uma paixão inexplicável; algo que se sente e se extravasa. Poesia não se escreve todos os dias... Política, por exemplo, é matéria que nunca aqui será discutida e, se eventualmente aflorada, sê-lo-á por muito boas razões ou, lá está, se a ocorrência me enlear em extremos estados de espírito e algo eu sentir que inevitavelmente extravase, como, aliás, já tinha escrito. De qualquer das formas, hoje estive a recauchutar um blogue (que havia sido eliminado por problemas técnicos) constituído por mim e dois amigos de longa data, pessoas cujos destinos se têm entrecruzado equidistantemente desde a infância e os primeiros sinais de adolescência. A universidade juntou-nos no mesmo sítio e à mesma hora. Agora, apesar de termos todos a mesma profissão, escasseia o tempo para estarmos juntos. A criação de um blogue conjunto é resposta imediata (por mim e só por mim falo) às deambulações solitárias e espiraladas do Caderno de Corda, ao seu coloquialismo moral e pseudoliterário, mas crítico, sincero e sem medo de aprender e errar. Por esta hora, os outros dois "Malandros" ainda nem viram o Crónica dos Maus Malandros recauchutado e, portanto, ainda nem se adicionaram enquanto membros, melhor direi, "maus malandros". Mas eles hão-de aparecer em breve.

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quarta-feira, outubro 19, 2005

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terça-feira, outubro 18, 2005

Poemas da adolescência 28

Até a morte acompanhas
de braço dado pela rua.
Admiram-se mutuamente,
um bocado.
Homem e sombra seguem
o trilho da lua,
de braço dado,
lado a lado.
Junto à tempestade.

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segunda-feira, outubro 17, 2005

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domingo, outubro 16, 2005

"Ninguém pára o Benfica" nem... a miséria alheia

Já toda a gente saberá: o Glorioso venceu, sem apelo nem agravo, nas Antas (ou Dragão, como preferirem), o FC Porto por 0-2 e prepara o terreno para o regresso saudoso às maiores glórias; para tomar o lugar que lhe é legítimo - estar entre os colossos mundiais do futebol. O caminho está aberto. A escola de sonhos, em andamento. Simão, o abono de família, sairá certamente na próxima época, se não antes, caso a Champions não corra como desejado. Encontrar outro mágico como Simãozinho deverá ser, desde já, prioridade. Esperemos vê-lo surgir das estruturas jovens do clube... Agora sim, começa a parecer apropriado cantar "Ninguém pára o Benfica". E cada vez mais! Ainda quanto ao Glorioso, apenas uma nota de apreço por um jovem jogador e benfiquista de berço: Nélson, que faz esquecer Miguel por completo.
O insucesso (de)cadente de FC Porto e Sporting parece proporcional ao entusiasmo crescente do Benfica. O mentiroso compulsivo Co Adriaanse anda a meter os pés pelas mãos, e as recentes afirmações do técnico são perigosas para a sua credibilidade. Como sabem, afirmou sair caso lhe mostrassem lenços brancos. Desafiou os adeptos, que não lho perdoaram. Mostraram-lhos. Adriaanse, falaz, negou tanto a afirmação de que sairia, como foi capaz de dizer que os lenços haviam sido exibidos por adeptos benfiquistas! Disparate total! Nós queremo-lo nas Antas! Parece-me que, por este andar, lhe vai ser difícil manter-se no Porto por muito mais tempo.
O Sporting está mesmo em queda livre. Ainda há pouco, nova derrota, desta feita em casa, com a Académica. Não me recordo de crise semelhante num "grande". Descaracterizada e depressiva, a equipa terá dificuldade em terminar a época num lugar europeu. Digo-o em jeito futurológico e oracular. A direcção está neste momento reunida a discutir, provavelmente, a continuidade de Peseiro e até, eventualmente, da equipa directiva. A debandada não é solução. Começo a pensar que a direcção leonina sabe algo que a Imprensa desconhece, e que Peseiro tem sido carne para canhão, bode expiatório da derrocada. Peseiro é um treinador fraquito e pouco carismático, mas tem carregado estoicamente sobre os seus ombros o peso do descontentamento sportinguista. E é muito peso para aquela marreca. Saia ou fique, merecia já uma medalha pelo sacrifício, mas o sacrificado acabará por ser ele. Duvido que alguma vez volte a ter a oportunidade de treinar um "grande". Já devia ter saído, e pelo próprio pé, para seu interesse. Cá para mim, os leões não têm dinheiro para contratar um treinador de primeira água...

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sábado, outubro 15, 2005

Por falar em RTP, o canal (primeiro da estação) transmitiu hoje o último episódio de "Anne Frank - A história da sua vida".

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Um toste à RTP Memória

Hoje disputar-se-á o FC Porto-Benfica. É o primeiro embate entre os dois clubes a contar para o campeonato desta época.
A RTP Memória transmite agora um duelo entre águias e dragões que remonta ao ano de 1994. Disputava-se a Supertaça. O jogo foi decidido em penalties. Venceu o Porto. Drulovic marcou a última grande penalidade, desfeiteando Preud'Homme. É curioso ver hoje o jogo e saber o que foi feito de todos aqueles jogadores. Se ainda houver RTP Memória daqui por dez anos, estarei a escrever no blogue sobre o jogo de hoje... Espero que sim!, isto é,... que ainda haja RTP Memória então.

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Poemas da adolescência 27

E se deste demónio me libertasse...
e as minhas preces eu próprio escutasse,
tornando reais as intenções;
geniais as invenções.
Sagradas orações de solidão.
Bocejo, durmo, sossego.
Canto o segredo do banco
onde se senta o velho.
Espreguiço-me, levanto-me
e caminho, volto a andar.

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sexta-feira, outubro 14, 2005

Foto de David Oliveira

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Nunca existi (Jeremias Cabrita da Silva)

Nunca existi, sou o que ainda não fui. Sou mais destino do que presente, mais fim do que princípio. Sou o que ainda não fui; sou estrada em frente de mim, berma e precipício.
Jeremias Cabrita da Silva

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quinta-feira, outubro 13, 2005

"Helen's Cupboard", de Charles Nelson

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Estórias 6 - Pirex, o Destruidor

Royko, a malga, havia suportado anos de exposição às micro-ondas do aparelho que lhe era tão familiar mas desamado, Moulinex 2000. Royko perdera a vaidade de quando era jovem malga, de quando eram vivas e evidentes as inscrições coloridas sobre o fundo verde da superfície; de quando estas a identificavam como sendo Royko, a malga cup-a-soup, e não Royk qualquer-coisa, e as letras, cada vez mais esbatidas e imperceptíveis. As cores também já não reluziam o fulgor e vivacidade de outrora.
Royko tinha uma profunda embirração com Moulinex 2000 por considerar, a conselho de Arcopal - conhecedora peça de louça da alta-cozinha -, que as micro-ondas de Moulinex 2000 infligiam duros golpes mesmo nas inscrições de maior qualidade. Corria até o rumor de que uma das peças da família mais conceituada da casa, o serviço Vista Alegre, que vivia numa prateleira na zona chic da sala, num armário de modelo clássico, havia perdido a profusidade de elementos decorativos que a adornavam, por causa de Moulinex 2000. Dizia Royko a Arcopal, dentro do armário de parede da cozinha:
- Temos de fazer alguma coisa. Talvez pedir a Delta, a chávena de café, que atinja os circuitos de Moulinex 2000 com água.
- Isso seria uma missão suicida. Poderíamos provocar um curto-circuito de proporções graves e inconcebíveis. Delta poderia sofrer danos que desconhecemos.
- Então e Expo 98, a caneca comemorativa? Sempre é mais robusta e resistente...
Congeminaram as duas de forma tão suspeita que a elas se juntaram outras peças de louça, naquele momento pelas imediações. Todas, comunicando em infra-sons que só entre peças de louça são perceptíveis, fizeram alarido tal que até o velho Pirex se lhes juntou com dificuldade.
Foi nesse instante, quando todos conspiravam no primeiro andar de prateleiras, exactamente por cima da bancada de Moulinex 2000, que a porta do armário sossobrou à pressão e peso exercidos pelo tumulto que lá ia dentro. Nisto, Pirex, o mais pesado, sente o chão fugir-lhe e, atrás de si, a porta abrir-se. Tentou avisar os outros para que deixassem de empurrar mas, rouco e cansado, todo o esforço era inútil perante tamanho frenesim.
Pirex caiu mesmo em cima de Moulinex 2000, que ficou com a porta aberta, e uma amolgadela profunda impedia-a de se fechar. Moulinex 2000 foi, dois dias depois, levado por Joana, a ocupante humana da casa, para conserto. O bom velho Pirex resistiu à queda e foi glorificado por todos assim que retornou ao armário de parede da cozinha. A queda fora amparada por dois hamburgueres que estavam na bancada, a descongelar.
Entre os seus, Pirex ganhara o cognome de ‘O Destruidor’. Joana nunca suspeitou de nada. Culpabilizou-se por tê-lo deixado em desequilíbrio, por cima de um tacho.
n.b. - A comunidade fabular cacofónica de que escrevia resultou de um exercício de narração proposto pelo professor Luís Carmelo, numa aula de Escrita Criativa. A 'estórinha' foi escrita no corredor da Universidade.

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quarta-feira, outubro 12, 2005

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O Cantinho do Pim, finalmente!

Hoje até tinha algo mais para dizer - ou escrever -, mas a surpreendente descoberta do arranque de um blogue que se encontrava em gestação é motivo suficiente para que faça do post de hoje uma nota de rodapé, melhor diria: uma chamada de atenção para o Cantinho do Pim. O Cantinho é, pois, a mais recente adição do Caderno de Corda, e com muito gosto!

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terça-feira, outubro 11, 2005

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"A loucura é o sonho de uma única pessoa. A razão é, sem dúvida, a loucura de todos" (André Suarés)

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"Os sonhos são a literatura do sono" (Jean Cocteau)

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domingo, outubro 09, 2005

Portugal, Angola e Brasil no Mundial

2-1 contra o Liechtenstein, Aveiro - Scolari não promete o título Mundial mas traça a meta dos quartos-de-final como objectivo. É, aliás, promessa do treinador atingir tal fasquia, o que significa qualificarmo-nos na fase de grupos e vencer o jogo dos oitavos-de-final. Falta meio ano.
Angola recebe a congratulação acalorada de todos os portugueses, à excepção, talvez, daqueles militantes do PNR, de que se falava hoje no Experimental. Akwá, o ex-benfiquista, foi o homem do golo, que detonou a festa tanto em Angola como neste canto mais ocidental da Europa. Brilhante.
Brilhante não foi, no entanto, a exibição portuguesa desta noite face aos amadores do Liechtenstein. Ricardo (aquele que se veste de guarda-redes na baliza de Portugal) voltou a demonstrar que não está, repito, entre os três melhores guardiões nacionais. Na verdade, é um elemento perigosíssimo para a nossa selecção, sabendo-se, depois das declarações desta noite de Scolari, que ele e Quim terão lugar cativo no trio que viajará para a Alemanha. Trio! Há esperança! Será que ainda restam dúvidas de que Moreira, a águia que, como ninguém, defende o ninho, é o melhor redes português, e sê-lo-á por muitos anos?
Adiante, o penalti roubado que, de tão insólito e óbvio, bem poderá ficar para a história. A mão na bola e um boi que é mesmo preto. Espero que ele (o boi preto) e Ricardo (aquele que parece um guarda-redes de futebol), nunca mais sejam vistos dentro das quatro linhas, num jogo de Portugal. E faço já a minha defesa: não tenho qualquer antipatia pela pessoa do Ricardo, um benfiquista de coração; simplesmente não quero acreditar que ele possa ser o último esteio dos portugueses nessa viagem eventualmente épica até à Alemanha. Verdade, verdadinha, é que, depois da metáfora do boi preto, aquela mão na bola de um moço que parecia saído de uma fábrica de salsichas, não se apagará tão cedo do nosso imaginário colectivo, e a 'mão de Deus' de Maradona nunca mais será a mesma. As vacas são pretas e brancas... Mão, mão, só se for de Vata!!!

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sábado, outubro 08, 2005

Terá sido assim que se foram os dinossauros?

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Na Noosfera

Segundo-Impacto é a mais recente adição do Caderno de Corda. Um blogue a ler com calma e profundidade.

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sexta-feira, outubro 07, 2005


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Quadras de Agostinho da Silva 11

Mais longe estás se houve início;
mais perto se o tempo finda,
e a rosa que em ti abriu
é em mim botão ainda.

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quinta-feira, outubro 06, 2005

"Down for maintenance"?!

O blogger esteve estranhamente em manutenção durante horas. Portanto, Não estou já com grande disposição para deambulações palavrosas nem da altitude, nem das profundezas. Mas aproveito ainda assim para enviar da blogosfera um abraço a um homem que sempre quis permanecer anónimo, guardando os escritos na gaveta, como um receoso eremita desarreigado faz com o dinheiro debaixo do colchão. Jeremias Cabrita da Silva tem 81 anos, viveu sempre no Alentejo - onde permanece -, está de perfeita saúde, discorre prontamente sobre qualquer matéria da actualidade, mantém a boa visão para aturadas leituras e faz da escrita a «dilatação da vida». «É uma expansão de mim e do que me rodeia como elemento crítico e observante. E é a dilatação da vida porque prolonga a intensidade do que vivemos e aprendemos», disse-me o ilustre desconhecido, cujas palavras ouvi e também guardei no bolso, escritas pela sua mão trémula, num caderninho. Frases curtas mas amplas de interpretação, objecto e contexto, desabafos e máximas que o senhor Jeremias Cabrita da Silva seleccionou para que eu as tivesse comigo, naquela caligrafia perfeita à custa da palmatória. A publicação ocasional de pequenos textos ou apontamentos deste não-autor continuará a ser prática no Caderno de Corda. Um abraço escrito para ele, sabendo eu que nunca o lerá, a não ser que eu imprima o blogue e lho envie pelo correio...

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quarta-feira, outubro 05, 2005


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"Uma angústia de saber não saber. Uma astúcia que espera, em certeza, o Ser." (Jeremias Cabrita da Silva)

terça-feira, outubro 04, 2005


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Trecho do poema "O Amor, Quando se Revela", de Fernando Pessoa

(...)

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

(...)

Fernando Pessoa

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Mar alto

Rebuliço e frio
sinto cá dentro,
como se navegasse em permanente
mar alto,
alvoroçado e revolto,
demente.
Deixo-me à tona;
os membros caídos,
suspensos em água,
oceano celeste
que não comando
dentro de mim.
Em sobressalto,
sem saber para onde vou,
senão que me levarei algures,
por qualquer coisa que desconheço,
em busca de outra que, se calhar,
desprezo,
levo-me pelo meu pé,
caminhando sobre as águas
fundas do mar alto e inquieto
que tenho cá dentro.
E palavras têm pouco valor
quando se escrevem a metro,
que estas nem soletro,
repenso, reflicto.
Assim as pari hoje, aqui e agora,
sem rede nem rito,
sem incenso aflito,
de improviso.

n.b. - Que se lixe a crítica saliente na articulação do braço com o antebraço.

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Bluff eclipsado

Não vi eclipse nenhum. Ninguém me acordou àquela hora, deixei-me cochilar e foi-se a oportunidade. Já tinha visto um eclipse, mas não há dois iguais. Olha, se quiserem e puderem, digam-me como foi!

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Este é de 2003 - para que se não confundam eclipses

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segunda-feira, outubro 03, 2005

Hoje, o primeiro eclipse solar visível em Portugal do século XXI

O espectáculo natural deverá começar de manhã muito cedo, às 08h38, cerca de uma hora depois de o sol se levantar no horizonte. Pelas 09h53 inicia-se a fase máxima de ocultação, que dura cerca de cinco minutos. À medida que a lua se for deslocando, o Sol voltará gradualmente a aparecer, até ao fim do eclipse, por volta das 11h30. Quase um século depois, uma faixa do território continental do País volta a assistir a um eclipse. Com uma ocultação muito próxima da totalidade (a 97%), na região privilegiada que abarca o Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, restará do sol, no máximo da intensidade do fenómeno, apenas um fino anel de luz em torno da sombra negra da lua. Espero que alguém me telefone e interrompa o meu sono para ver a extraordinária ocorrência...

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Da varanda da Pensão Central...

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Poemas da adolescência 26

Deitavas-te a meu lado,
lia-te as mãos,
beijava-te o pescoço...
todo o tempo do mundo.
O teu perfil astrológico,
carta de uma longa viagem.
À nossa volta pairava destino,
respirava-se verdade.
Acordas desfolhada
e entre um esteve o outro.
Já se foram os pássaros
e ainda estamos juntos.
Até já mergulharam morcegos
em chuvas de outros mundos...
onde a manhã veio num abraço,
na varanda,
ao relento.

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