Inicialmente, cantavas em inglês. Sei que tiveste alguma dificuldade em “converter” as tuas letras para português... Como é que entra o Ary dos Santos nessa história?
J.P. – Pois, foi o meu mestre em termos de técnica. Eu chegava lá, cantava-lhe uma melodia, eventualmente uma letra em inglês ou fazia lá-lá-lá, ele ouvia e começava a escrever coisas sem nexo, mas já com a métrica. Ia pensando e ouvindo, ia mudando esta palavra, aquela frase, e, de repente, tinhas ali uma canção com sentido. Ele era um mestre, de facto. Aprendi em muitas sessões, a trabalhar comigo ou com outros, porque ele gostava de trabalhar com muita gente à volta, gostava de sentir a atenção, de ter a casa cheia. Fui aprendendo a vê-lo trabalhar.
E o teu método criativo, como se processa?
J.P. – Não tenho método. É uma coisa um bocado anárquica; não tenho um processo, uma disciplina, um método disciplinado de trabalhar. É conforme calha...
E quando tens mesmo de fazer, como já te aconteceu, para o dia seguinte?
J.P. – Acontece muitas vezes alguém pedir-me uma letra ou uma música e, como eu estava a dizer, é-me mais fácil musicar uma letra já feita do que inserir uma letra numa música pré-existente. Demoro mais tempo a construir uma letra para uma música já feita do que o oposto. Musicar uma letra é à primeira ou à segunda porque a letra conduz-me logo para um tipo de música, para um ambiente mais calmo, mais agitado, tom menor ou tom maior, mais linear ou com maior variedade em termos de tempos, de ritmos, portanto, mais simples ou mais complicado...
Mas tu tens coisas que são bastante complexas, que não se fazem assim à primeira...
J.P. – Pois, há músicas em que eu exploro a parte rítmica, a parte harmónica, a variação de compassos inclusivamente... Influências do rock sinfónico, dos Genesis, do Zappa - o Zappa não é propriamente rock sinfónico, mas, portanto, desse tipo... -, Gentle Giant, Soft Machine, etc... E grupos de fusão: os Chicago, os Blood Sweat and Tears, influências do jazz, sei lá... Houve uma altura em que me dava imenso gozo fazer músicas, algumas, de oito minutos...
Autores como Sérgio Godinho, José Mário Branco, Bob Dylan, Paul Simon, Led Zeppelin, Zappa, Lou Reed, etc, foram influências incontornáveis na tua música... Por vezes tu tentaste mesmo imitá-los, num bom sentido...
J.P. – E muitas músicas surgiram assim. Olha, digo-te já: a “Terra dos Sonhos”, que gravei em '79, saiu em '80, é à partida uma tentativa de imitar o Sérgio, e foi por isso que o convidei para gravar comigo. E foi porreiro. É evidente que, quando o tento imitar, eu já sei que não vai sair igual (risos). Portanto, não tenho problema nenhum nisso. Já ouve canções que surgiram a tentar imitar o Neil Young ou o David Bowie... Se eu te disser que o “Bairro do Amor” é uma tentativa de imitação do Lou Reed, também de nenhuma canção em particular mas...
Podia ser o “Satélite do Amor”...
J.P. – (risos, trauteando
Sattelite of Love, de Lou Reed)
Agora, tens uma parceria com o Sérgio Godinho. Porque é que os dois não se juntaram mais vezes antes?
J.P. – Eu estava a falar do individualismo... mas não é o caso. Por exemplo, o Sérgio, já num espectáculo grande que fez, não me lembro se no Coliseu se na Aula Magna, convidou-me para participar. E eu tenho convidado - tenho um bocado tendência para convidar muita gente - os meus amigos para participarem em espectáculos e nos discos. O Sérgio já me convidou para fazer coros em discos dele, convidou-me para cantar. Não me lembro como é que se chama a canção agora, de repente, nem me estou a lembrar da canção... É uma balada muito bonita. Não é das mais conhecidas... Mas, de facto, não sei..., há um certo individualismo, falando da parte de composição, sobretudo. Acho que nós gostamos de trabalhar sozi... não!, o Sérgio já tem trabalhado bastante com os brasileiros, por exemplo. Com o Milton, esse pessoal todo. E agora, neste disco
[n.d.r. - O Irmão do Meio], está o Milton, está o Zeca Baleiro, que ele convidou para a Festa do Avante e que eu estive a ver, acho que há dois anos. Olha, não sei pá, a gente encontra-se sistematicamente. Para já, nos palcos, e na rua. Aliás, é giro porque, quando eu estava a viver baseado em Paris, não é?, encontrei o Sérgio para aí três ou quatro vezes na rua, assim ao virar da esquina, a comprar tabaco. Também porque se frequentava o mesmo tipo de zona... Quartier Latin, Babylon ...
Andavam os dois fugidos?
J.P. – Pois! Mas fartei-me de encontrar portugueses. Até o Zeca Afonso pá! (risos) O Júlio Pereira, sei lá, o Pedro Osório...
O Júlio Pereira tocou contigo...
J.P. – Gravou comigo muitas vezes. No “Té Já”, no “Bairro do Amor”... O Rão também está lá... Ah, nisso tenho tido muita... por acaso nunca tive um «não» de ninguém e tenho convidado os melhores... Para mim, não é?
Um álbum contigo é um momento histórico!
J.P. – Mas eu nunca escrevi uma canção com o Sérgio, estava a lembrar-me disso. Nunca aconteceu, nunca calhou. Com o Vitorino já. Também nunca escrevi nenhuma canção com o Fausto. O Fausto, então, acho que gosta muito de trabalhar sozinho...